"Uma história global do Renascimento contribui para reinterpretar dos Grandes Descobrimentos restabelecendo ligações que a historiografia europeia ignorou ou silenciou. Ela ajuda a desembaraçar-se dos esquemas simplistas da alteridade - para os quais a história se resume em um confronto entre nós e os outros - e a substituí-los por enredos mais complexos: a história global mostra que não existem apenas vencedores ou vencidos, e que os dominantes podem igualmente ser dominados em outra parte do mundo.
Uma história global leva a juntar novamente as peças do jogo mundial desmembradas pelas historiografias nacionais ou pulverizadas por uma micro-história mal dominada. Ela incita a deslocalizar nossas curiosidades e nossas problemáticas. Havíamos começado por nos centrar sobre a Monarquia Católica de Filipe II, esse império planetário nascido da união das Coroas da Espanha e de Portugal, e por restituir-lhes os espaços que ela ocupava no globo. Havíamos prosseguido nossa releitura analisando as relações reais e virtuais que o islã e o Novo Mundo mantinham nesse contexto.
Uma história global teria o dever de atribuir à África todo o lugar que lhe cabe, tanto porque é lá que se elabora a primeira experiência colonial de envergadura com a bênção do papado como porque esse continente não cessará de abastecer com escravos a América recém-conquistada, conservando ao mesmo tempo vínculos muito antigos com os mundos do oceano Índico. Tampouco se deve esquecer que foi nessa terra que os portugueses celebraram o casamento trágico entre o tráfico e o cristianismo"
(Serge Gruzinski, A águia e o dragão: ambições europeias e mundialização no século XVI, trad. Joana Melo, Cia das Letras, 2015, p. 348-349)
Nenhum comentário:
Postar um comentário