quinta-feira, 8 de abril de 2021

Despersonalização


1) No ensaio sobre Bataille e o "paradoxo da soberania", Giorgio Agamben escreve: "Naquele instante, entre as imagens que ele [Pierre Klossowski] tinha ainda bem vivas na memória, havia também aquela de Benjamin com as mãos levantadas em um gesto de advertência (Klossowski naquele momento ficou de pé para imitá-lo) que, a propósito da atividade do grupo Acéphale e, em particular, das ideias expostas por Bataille no ensaio sobre a Notion de dépense (que havia saído três anos antes na Critique sociale), repetia 'Vous travaillez pour le fascisme!'".

2) Para além dos numerosos aspectos discutíveis da perspectiva épater-le-bourgeois e extremista de Georges Bataille, o ponto de contraste mais claro com relação ao fascismo é sua reiterada afirmação do valor da heterogeneidade e sua valorização do sacrifício não pela via da incidência sobre um conjunto de vítimas expiatórias "abjetas", e sim sobre o próprio grupo ou indivíduo. Contudo, a ideia de comunicação ou abertura ao outro que requer gasto excessivo e transgressão é sintomática de pressupostos individualistas de ordem quase autista, que só podem ser desbaratados através de alguma forma de descolamento extremo do "eu".

3) É possível pensar essas questões a partir da obra/vida de Bataille pelo viés do ensaio "Tradição e talento individual", de seu contemporâneo T. S. Eliot, publicado originalmente em 1919: o talento individual do artista não está ligado à inspiração, mas ao trabalho de despersonalização (como a heteronímia em Fernando Pessoa) - o artista é um medium, escreve Eliot, um circuito de passagem que liga passado e presente (trata-se de desviar o interesse "do poeta para a poesia", escreve ainda Eliot, antecipando aquilo que Borges escreverá alguns anos depois em "La flor de Coleridge", de Otras inquisiciones: "Hacia 1938, Paul Valéry escribió: 'La Historia de la literatura no debería ser la historia de los autores y de los accidentes de su carrera o de la carrera de sus obras sino la Historia del Espíritu como productor o consumidor de literatura. Esa historia podría llevarse a término sin mencionar un solo escritor'").

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