2) O oficial, no fim da novela, se rende à sedução que sempre o ligou à máquina de tortura - ele investiu forte carga libidinal nessa máquina, como fica evidente em seu esforço para convencer o explorador que a máquina não só faz parte da cultura do lugar, mas também é parte constituinte da evolução humana. O que tinha acontecido com o condenado, escreve Kafka, "agora acontecia com o oficial" (p. 64). Ele se despe e vai em direção à máquina - percebendo o que vai acontecer, o condenado se vê "vingado até o fim", e aparece no seu rosto "um sorriso amplo e silencioso que não desapareceu mais".
3) A entrega do oficial à máquina precisa do olhar do condenado para acontecer, ao menos no nível da narrativa construída por Kafka - nessa perspectiva, a entrega de um depende do olhar do outro, um jogo de submissão e abjeção que liga a Colônia Penal a um precursor célebre como o Marquês de Sade, por exemplo, e a um contemporâneo de Kafka como Georges Bataille (que dedicará boa parte de sua obra a descrever essa zona cinza entre desejo, abjeção, violência e sagrado). A máquina de tortura é tanto um novo dispositivo (algo que diz respeito à elaboração kafkiana da técnica e de suas relações com o sujeito, como fará também Heidegger) quanto uma reconfiguração do milenar conflito entre carne e espírito, obsessão de Kafka.
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