quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Dante e a burguesia


Dolf Oehler comenta, em seu livro O velho mundo desce aos infernos, a curiosa relação estabelecida por Flaubert com Dante, especialmente no que diz respeito a uma reflexão artística sobre uma classe dirigente decadente (que "desce aos infernos"). Da mesma forma, existe uma idealização do espaço urbano francês em Flaubert que passa por um registro duplo, simultâneo e dissociativo, tanto "realista" quanto "fantástico" (não é à toa que Foucault se refere à imaginação de Flaubert como um "fantástico de biblioteca"). A cidade francesa em Flaubert é tanto símbolo quanto "realismo".

Escreve Oehler: "Farner fala do Dante de Doré como de um 'Baedeker para a complicada viagem do inferno rumo ao céu', e acrescenta: 'Fugir para Dante e com Dante é o sonho dos burgueses', do mesmo modo que o é, pode-se completar, fugir para a natureza e com a natureza, para a Renascença e com ela, como faz o herói de Flaubert", e nesse ponto Oehler está fazendo referência a Educação sentimental. E ele continua: "o herói da Éducation não dispõe de uma memória fértil, mas dissociativa" (dissociação que é inerente ao método de Flaubert, eu acrescentaria). 

(Dolf Oehler, O velho mundo desce aos infernos, trad. José Marcos Macedo, Cia das Letras, 1999, p. 401, notas 458 e 461)

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