Além de soldado e bebedor inveterado, Sócrates foi um instaurador de discursividade, para usar a terminologia do Foucault da Ordem do discurso. O Fedro mostra a performance de uma posição que era tanto simbólica quanto prática: Sócrates caminhando e conversando nas margens da cidade, ocupando uma espécie de limite (valorizando a vida na cidade e, ao mesmo tempo, gozando das benesses da natureza). Outro traço fundamental de Sócrates é sua insistência em andar de pés descalços: indicação de sua forte e íntima ligação com o lado mundano da experiência, com o mundo fenomênico (em consonância com seu gosto pela comida e pela bebida).
Assim como Nietzsche antes dele, Foucault abertamente seleciona Sócrates como um modelo (de vida e de trabalho, simultaneamente). No seminário intitulado A coragem da verdade, Foucault retoma Sócrates, reconta parte de sua biografia, a cena de sua morte, a consistência de sua posição desconfortável diante do poder estabelecido. Para Foucault, a trajetória de Sócrates mostra um peculiar equilíbrio entre logos e bios, ideia e existência, pensamento e experiência (é curioso e irônico que as últimas aulas dadas por Foucault em sua vida tenham sido justamente sobre Sócrates, sobre a trajetória de Sócrates, sua relação com a verdade e sobre a cena de sua morte como um corolário de uma longa batalha contra a falsidade).
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