quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Usos do passado


1) No centro da crítica de Carlo Ginzburg a Hayden White (feita em 1990 no evento de Friedlander) estava, mais uma vez, o fantasma do fascismo. A reflexão de Ginzburg percorria um caminho já feito muitas vezes antes no que diz respeito a Nietzsche - será que as ideias de White sobre a possibilidade de intervenção imaginativa sobre o presente não podem ser usadas pelo totalitarismo? O cenário é construído por Ginzburg a partir de uma comparação meticulosa entre as ideias/posturas de White e aquelas de Giovanni Gentile (The self-styled "philosopher of Fascism", como diz a Wikipedia). 

2) Assim como Gentile (e Nietzsche, sem dúvida, digo eu), White (argumenta Ginzburg) defende o uso criativo, imaginativo e político do passado - o problema reside na instrumentalização que regimes totalitários podem realizar da ideia (uma questão, de resto, que White aponta desde seus primeiros textos, que respondem precisamente à ênfase totalitária do governo dos Estados Unidos nos anos 1960 - e, de forma ampla, a questão se articula com a proposição de White de que a escrita da história deve ser sempre present-oriented).

3) A tensão entre Ginzburg e White (ao redor do fascismo) é, de resto, a tensão que percorre o pensamento do século XX - desde a virada do século e suas primeiras décadas (a tríade Nietzsche-Hitler-Heidegger), por exemplo, até os seminários de Derrida sobre a pena de morte e os rogue states. Do lado de Ginzburg, estão duas referências centrais cujos trabalhos respondem diretamente aos projetos totalitários: Auerbach e Bakhtin. Do lado de White, o intenso corpo-a-corpo com o estruturalismo de Lévi-Strauss (e, em parte, de Michel Foucault) e a atraente ideia da história como efeito de superfície da estrutura (ou seja, o sujeito não como aquele que manipula a contingência, mas que é manipulado por ela). 

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