sábado, 30 de junho de 2018

O Judas de Leonardo, ainda

Leonardo é apresentado como um detetive por Leo Perutz?
O fato é que Perutz se alinha ao gênero detetivesco - é aí que Walter Benjamin o localiza. Além disso, Borges e Bioy incluíram um romance de Perutz na coleção do gênero que montaram juntos a partir de 1945:

En febrero de 1945 nació El Séptimo Círculo, la colección dirigida por Jorge Luis Borges y Adolfo Bioy Casares. El primer título fue La bestia debe morir, de Nicholas Blake, en traducción de Juan Rodolfo Wilcock. (fonte).

1) É digno de nota que o livro de Perutz escolhido por Borges e Bioy transita entre o detetivesco e a literatura fantástica - um pouco como o Judas de Leonardo transita entre o romance histórico e o detetivesco. Pensando no paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, sem dúvida o Leonardo de Perutz se encaixaria nessas linhas mais amplas do detetivesco - a atenção aos detalhes, à relação entre morfologia e história, além do olhar do pintor ser um ponto central também em Ginzburg (Morelli, o médico italiano, e seu método de atribuição de autoria em pinturas).
2) Outro aspecto importante do Leonardo de Perutz - um aspecto que o aproxima novamente de Borges - é a insistência em seu método não-produtivo, visto com suspeita pela sociedade. O Leonardo de Perutz, insistindo em um saber ver mais do que em um saber fazer, faz pensar nas aquarelas de Whistler que Borges menciona em Discussão: "ao perguntarem a Whistler quanto tempo lhe fora necessário para pintar um de seus noturnos, ele respondeu: a vida toda". De certa forma, a realização do Judas de Leonardo na Última ceia passa por essa intuição (e o desenvolvimento que faz Perutz em torno ao comerciante alemão que lhe dá o ensejo é a elaboração desse "a vida toda").
3) Ricardo Piglia (Formas breves) comenta essa frase de Borges, aproximando-a de Italo Calvino e uma situação semelhante que ele captura em uma de suas propostas para o próximo milênio: 

"Calvino conta uma história que pode ser vista como uma síntese fantástica da conclusão de uma obra. Entre muitas virtudes, Chuang-Tsê tinha a de ser hábil no desenho. O rei lhe pediu que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê respondeu que precisava de cinco anos e uma casa com doze criados. Passaram-se cinco anos, e o desenho ainda não estava começado. 'Preciso de outros cinco anos', disse Chuang-Tsê. O rei os concedeu. 

Passados dez anos, Chuang-Tsê tomou do pincel e, num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o caranguejo mais perfeito que jamais se tinha visto.

Antes de tudo, essa é uma história sobre a graça, sobre o instantâneo e também sobre a duração. Há um vazio, tudo fica em suspenso, e o relato se pergunta se a espera (que dura anos) faz ou não parte da obra. Como o relato trata de um artista, seu núcleo básico é o tempo e as condições materiais de trabalho: nesse sentido, o conto é um tratado sobre a economia da arte. Firma-se um contrato entre o pintor e o rei: a dificuldade reside, recordemos Marx, em medir o tempo de trabalho necessário numa obra de arte, e portanto a dificuldade de definir (socialmente) seu valor".

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