Em “O mito hoje”, ao qual ele fizera apenas uma breve alusão na primeira sessão de seu seminário, Barthes havia estabelecido, em 1957, as balizas dos futuros axiomas estruturalistas: os signos se opõem uns aos outros e sua significação é produzida por essas oposições, independentemente daquilo a que eles se referem; cada atividade humana participa ao menos de um sistema de signos (frequentemente, de diversos ao mesmo tempo), cujas regras é possível rastrear; enquanto produtor de signos, o homem é condenado à significação, incapaz de se libertar da “prisão” da linguagem, para falar como Fredric Jameson. Nada do que o homem enuncia pode ser insignificante - mesmo o “nada” dizer tem um sentido (ou, antes, múltiplos sentidos, que mudam conforme o contexto, ele próprio, estruturado).
Ao escolher, em 1971, apresentar esses axiomas derivando de Brecht (e não de Saussure, o que fizera em 1957), Barthes sublinhava o elo histórico entre o modernismo e a concepção da linguagem como uma estrutura de signos. Em numerosos textos teóricos, Brecht sempre havia atacado o mito da transparência da linguagem sobre a qual se fundava a prática do teatro, definida como catártica desde Aristóteles. Os procedimentos de montagem anti-ilusionistas que interrompiam o fluxo de suas peças sempre haviam intentado impedir a identificação do espectador com qualquer que fosse o personagem e produzir um efeito de distanciamento, como ele dizia. O primeiro exemplo que Barthes comentou longamente durante seu seminário de 1971-1972 foi um ensaio ao longo do qual o escritor alemão decodificava pacientemente os votos de Natal pronunciados por dois líderes nazistas (Hermann Goering e Rudolf Hess) em 1934.
O que havia chocado Barthes era a atenção extrema que Brecht dera à forma do discurso nazista, dissecando palavra por palavra a fim de lhe opor o antídoto de seu próprio contradiscurso: “A destruição do discurso monstruoso é conduzida, aqui, segundo uma técnica amorosa”. Avançando a passos lentos nesse texto, Brecht iluminava os cordéis retóricos submersos na matéria viscosa de seu fluxo contínuo (Barthes chamava esta última de le nappé de la logosphère [a cobertura da logosfera]). O Brecht de Barthes, em suma, era um formalista, desejoso, antes de qualquer coisa, de demonstrar que a linguagem não era de modo algum um veículo neutro cuja função seria apenas transmitir diretamente uma mensagem, pois tinha materialidade própria, e essa materialidade era sempre portadora de significação. Para Barthes, Brecht era um formalista a despeito de si mesmo, embora o rótulo tivesse revoltado o dramaturgo, que se empenhou em lançá-lo como um insulto à face de Lukacs.
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Fragmento de "Tough love" (Tradução de Sônia Salzstein), por Yve-Alain Bois (Institute for Advanced Study [IFS], Princeton, USA), contribuição ao colóquio “Hubert Damisch, l’art au travail”, organizado em homenagem ao autor de Théorie du nuage, em Paris, pelo Institut National d’Histoire de l’Art, nos dias 8 e 9 de novembro de 2013. O relato rememora o convívio de Bois com Hubert Damisch e Roland Barthes, autores cujos seminários ele frequentou no início dos anos 1970. Disponível na íntegra aqui.
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