quarta-feira, 4 de abril de 2018

Leis aduaneiras

1) O trecho da imagem acima pertence ao último livro de Georges Didi-Huberman, Aperçues, uma sorte de coletânea de fragmentos, ou de diário crítico-biográfico, observações em desordem, etc. São breves trechos de reflexões sobre política, história da arte, cinema, sociedade, literatura e mais. Já com Barthes se pensa a linguagem a partir de sua matriz fascista, que obriga a dizer, "a língua é fascista". Um esforço contínuo deve ser feito para confrontar tal natureza, e Didi-Huberman aqui retoma esse topos: quanto mais línguas o trabalho intelectual toca, menor sua tendência totalitária (o exemplo é Warburg, e podemos pensar também em Derrida, Benveniste, Agamben, todos pensadores abundantes em idiomas).  
2) Por conta dessas sincronicidades que costumam acontecer no trabalho do pensamento, o livro que estava lendo imediatamente antes de encontrar a citação de Didi-Huberman me impressionava por sua estreiteza idiomática. Trata-se de O julgamento de Sócrates, de I. F. Stone, uma veemente acusação daquilo que chama o "antidemocratismo" de Sócrates. Stone relembra muitas vezes seus esforços para aprender grego e poder ler Platão et alii no original, mas tal esforço é inexistente em direção a outros idiomas e principalmente outras bibliografias. Toda sua bibliografia é em inglês, un seul idiome, como escreve Didi-Huberman acima.
3) Até que ponto a ideia de "pensar entre múltiplas línguas", que Didi-Huberman pesca em Warburg, pode ser também uma ideia socrática? Não idiomas, mas certamente idioletos - Sócrates sempre absorvia essas variações da língua única dos sujeitos, usando e remontando as próprias palavras dos interlocutores. Algo que me faz pensar de imediato em Derrida e seu Limited Inc, de 1988: feito a partir da crítica que John Searle escreveu a respeito da interpretação de Derrida da obra de Austin; como Searle não autorizou a reprodução e republicação de seu ensaio, Derrida absorve sua argumentação com citações, incluindo quase a íntegra do texto de Searle no interior de sua argumentação.

Um comentário:

  1. Derrida era o cara!

    Não me canso de admirar sua postura libertária, que resultou nessa obra maravilhosa que sempre me surpreende.

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