O filme Black Narcissus, de 1947 (baseado em um livro lançado em 1939), que conta a história de um grupo de freiras isoladas em um convento nos Himalaias, é carregado da representação daquilo que Barthes chamou viver-junto, um conjunto de ritos, gestos e confrontos que marcam a convivência em tempos e espaços restritos (como A montanha mágica, de Thomas Mann, que se passa num sanatório e é comentado por Barthes). As freiras adoecem, desconfiam da água, não há certeza de nada - apenas de que uma influência maligna está no ar. Uma delas é particularmente sensível e sofre uma transformação aguda:
São todas súditas do Império Britânico, ainda que indiretamente, e o clima de transtorno coletivo lembra muito o reduto de Kurtz na África, outro súdito imperial que se perde pelo caminho (em O coração das trevas, de Conrad, outra ficção sobre o viver-junto). O filme foi lançado poucos meses antes da independência da Índia em agosto de 1947. Trata-se de um viver-junto que oscila entre o colonial e o pós-colonial, percorrendo a linha tênue entre cultura e imperialismo de que fala Edward Said (como no caso do general local que visita o convento para aprender francês com a Madre Superiora - numa sorte de antecipação da "lição de escrita" que Lévi-Strauss relata em Tristes trópicos, quando teve seu gesto de escrita na coleta de dados etnográficos mimetizado por um índio. Além disso, a lousa usada pela freira para ensinar francês ao general lembra muito aquela usada por Susan Barton, a protagonista do romance Foe, de Coetzee, em suas lições de escrita com Sexta-Feira).
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