De 4 a 8 de julho de 1964, Foucault participa do Colóquio de Royaumont, cujo tema era Nietzsche. Apresenta um breve texto intitulado "Nietzsche, Freud, Marx", que abre com as seguintes palavras:
Quando esse projeto de "mesa redonda" me foi proposto, pareceu-me muito interessante, mas, evidentemente, bem espinhoso. Sugiro um viés: alguns temas relativos às técnicas de interpretação em Marx, Nietzsche e Freud (Michel Foucault, Ditos e Escritos, II - Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Tradução Elisa Monteiro, Forense Universitária, 2008, p. 40.
Como é típico de Foucault, ele amplia, imediatamente após a resolução de um foco restrito, o horizonte de consideração histórica em um nível quase que impraticável. Ou seja, logo após a sugestão de um "viés", Foucault afirma que "na realidade", por trás desses temas (as técnicas de interpretação), "há um sonho", um sonho seu, um sonho de Foucault, "o de poder fazer, um dia, uma espécie de Corpus geral, de Enciclopédia de todas as técnicas de interpretação que pudemos conhecer dos gramáticos gregos aos nossos dias. Acredito que, até o presente, poucos capítulos desse grande corpus de todas as técnicas de interpretação foram redigidos". Tal Enciclopédia não foi levada adiante por Foucault nos vinte anos que ainda teve de vida - e de certa forma forma uma espécie de espelhamento do livro inacabado de Nietzsche, que aparentemente teria o título de Vontade de potência, comentado brevemente por Foucault e também por Vattimo em seu ensaio sobre a "escola da suspeita".
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Além de Foucault, o Colóquio de Royaumont de 1964 recebeu também Deleuze (na função de coordenador), Jean Wahl, Klossowski, Gabriel Marcel (cujo trabalho foi tão importante para Cortázar e para a criação da Rayuela) e o próprio Vattimo, que ao fim da exposição de Foucault lhe fez a seguinte pergunta:
Se eu o compreendi bem, Marx deveria ser classificado entre os pensadores que, como Nietzsche, descobrem o interminável da interpretação. Estou inteiramente de acordo com você no que se refere a Nietzsche. Mas, em relação a Marx, não há necessariamente um ponto de chegada? O que quer dizer a infraestrutura senão alguma coisa que deve ser considerada como base? (p. 51).E Foucault responde:
Em relação a Marx, quase não desenvolvi minha ideia; temo mesmo não poder demonstrá-la ainda. Mas tomem o Dezoito brumário, por exemplo: Marx jamais apresenta sua interpretação como interpretação final. Ele sabe claramente, e o diz, que se poderia interpretar em um nível mais profundo, ou em um nível mais geral, e que não há explicação que seja rasteira (p. 52).Foucault argumenta, ao longo de seu texto, que a partir das obras de Marx, Freud e Nietzsche um paradigma no campo da interpretação se solidifica, aquele que diz respeito à própria consciência ou reflexividade da interpretação. Nessas obras, continua Foucault, o operador da interpretação abandona (ou é forçado a abandonar) a ingenuidade positivista tanto do distanciamento quanto da progressividade - nas palavras de Foucault, "essas técnicas de interpretação nos implicam, visto que nós mesmos, intérpretes, somos levados a nos interpretar por essas técnicas" (p. 43).
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