Ataque histérico fotografado por Albert Londe, La Salpêtrière, 1885 |
1) Se o "fantástico de biblioteca" de Foucault é uma das fórmulas que servem para indicar a disponibilidade histórica do paradigma do arquivo (que está no livro de Flaubert sobre Cartago, mas também no trato de Freud e Ginzburg com o discurso das bruxas), é no conjunto da História da sexualidade que o mesmo Foucault tentará reunir todos esses fios soltos, numa aproximação direta com Freud. Foucault escreve que "o sexo tornou-se o alvo central de um poder que se organiza em torno da gestão da vida, mais do que da ameaça de morte"; "saúde, progenitura, raça, futuro da espécie, vitalidade do corpo social, o poder fala da sexualidade e para a sexualidade" (História da sexualidade I, a vontade de saber, tradução de Maria Thereza Albuquerque e J.A. Albuquerque, Graal, 1988, p. 138).
2) Foucault argumenta que Freud foi fundamental para essa "colocação em discurso" da sexualidade, uma coerção dos afetos travestida de liberdade, uma tática de continuidade dos dispositivos clássicos de poder travestida de ruptura. Seguindo a trilha foucaultiana, Didi-Huberman retrocedeu alguns anos e mostrou que esse travestimento epistemológico já estava em funcionamento com Charcot e seu teatro das histéricas no Hospital da Salpêtrière (com o ganho adicional de mostrar que o "fantástico de biblioteca" não opera apenas nos textos - as memórias de Schreber ou os relatórios da Inquisição - mas também nas imagens). As fotografias das histéricas, argumenta Didi-Huberman, também capturam um momento de mescla entre o elemento passivo e o ativo, o médico que molda as poses e age sobre o corpo doente e a histérica que se dá à visão (o olhar infalível da câmera - a técnica, a máquina -, e o olhar neutro e interpretativo de Charcot, misto de "médico, detetive, curador e colecionador").
3) Semelhante ao orientalismo tal como diagnosticado por Edward Said, esse olhar sobre as histéricas não era tanto o relato do descobrimento de um novo mundo, e sim uma espécie de ficção, de reposicionamento e controle de aspectos que escapavam da razão instrumental (sem que isso indique um ocultamento ou deformação, muito pelo contrário, pois é a partir do excesso de exposição que a lógica de apreensão e catalogação pode funcionar de forma efetiva). Orientalismo, bruxaria e sexualidade formam planos de longo alcance que são, volta e meia, refinados por análises pontuais, como a que Didi-Huberman faz de Charcot, a que Freud faz de Schreber ou a que Carlo Ginzburg faz de Menocchio em O queijo e os vermes (no contexto do confronto entre "Velho" e "Novo" mundo, Serge Gruzinski apreende bem a dinâmica desses planos de longo alcance, primeiro com a ideia da "guerra das imagens" e, segundo, com a hipótese diacrônica: "de Cristóvão Colombo a Blade Runner, 1492-2019).
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