Joseph Conrad, 1857-1924 |
David Barsamian: Você argumenta que a cultura tornou o imperialismo possível e cita William Blake: "As fundações de todo império são a arte e a ciência. Destrua qualquer uma das duas e o império sucumbirá. O império sucede à arte e não o contrário, como supõem os ingleses".
Edward Said: Acho que um dos principais defeitos da vasta literatura sobre o imperialismo na economia, na ciência política e na história é que se presta muito pouca atenção ao papel da cultura na manutenção dos impérios. Conrad foi uma das testemunhas mais extraordinárias disso. Ele compreende que o lucro não está exatamente no cerne da ideia de império, embora certamente seja um dos motivos. Mas o que distingue os impérios antigos - como o romano, o espanhol ou os árabes - dos impérios modernos, entre os quais se destacam o britânico e o francês do século XIX, é que estes são iniciativas sistemáticas, com um reinvestimento constante. Eles não chegam a um país, saqueiam-no e vão embora quando a pilhagem termina. E os impérios modernos requerem, como afirmou Conrad, uma ideia de colaboração, uma ideia de sacrifício, uma ideia de redenção.
DB: Como você explica seu grande interesse por Joseph Conrad e sua obra? Você cita O coração das trevas com frequência.
ES: Não tenho interesse só em O coração das trevas. Nostromo, que considero um romance tão excelente quanto, publicado um pouco mais tarde, por volta de 1904, é sobre a América Latina. Conrad parece-me ser a testemunha mais interessante do imperialismo europeu. Ele era certamente um crítico ferrenho das espécies mais vorazes de império, como era o caso dos belgas no Congo. Porém, mais do que qualquer outro, ele compreendia o modo insidioso pelo qual o império contaminava não apenas os conquistados, como também os conquistadores. Ou seja, a ideia de serviço carregava uma ilusão capaz de seduzir e cativar as pessoas, uma forma de corrupção universal. Quando o assunto era o que chamamos hoje de libertação, independência, liberdade diante do colonialismo e do imperialismo, Conrad simplesmente não conseguia compreendê-lo. Essa era, na minha opinião, uma limitação quase trágica da sua pessoa.
(Edward Said. A pena e a espada. Diálogos com Edward Said por David Barsamian. Tradução de Matheus Corrêa. Editora Unesp, 2013, p. 69-72).
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