As coisas, no começo, não foram fáceis para Paul-Michel. Paul porque era o nome do pai (e do avó, e do bisavô). Michel porque a mãe teimou. Paul-Michel nasceu e cresceu em uma cidadezinha escrota no interior da França: Poitiers, que trocou por Paris quando foi se preparar para a Escola Normal Superior (por volta de seus dezoito anos). Paul-Michel era instável, solitário, arisco. Nutria um ódio intenso pelo pai – por isso que, quando finalmente pôde, livrou-se do primeiro nome. Em 1948, já interno da Escola, angustiado pela convivência forçada e pelo clima de competição e vigilância intelectual constantes, tenta o suicídio. Não teve sucesso, mas isso não o impediu de ensaiar o gesto muitas outras vezes ao longo da vida. Paul-Michel era um suicida frustrado e, por isso, Paul-Michel era obcecado pela idéia do suicídio. Depois da tentativa, e depois de uma longa série de conversas, o psiquiatra da Escola (uma das sumidades da psiquiatria francesa) se limita a dizer que os distúrbios provinham de uma homossexualidade muito mal vivida e muito mal assumida. E, de fato, ao voltar de suas expedições noturnas pelos pontos de encontro ou bares homossexuais, o jovem Paul-Michel fica prostrado durante horas, doente, aniquilado pela vergonha. Se não tivesse saído de Poitiers para se enfiar nesse ninho de cobras que é a Escola, nada disso estaria acontecendo. Mas, se nada disso estivesse acontecendo, ele não teria acesso ao quarto isolado da enfermaria, distante dos outros. E às vezes ele pensa: podia ter virado as costas no momento do exame e ter ido embora, não ter mais aparecido nesse lugar deprimente, ter virado as costas quando eles abriram a porta da sala da argüição e disseram Senhor Foucault, é sua vez.
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