1) Ainda está pendente uma arqueologia portuguesa da obra de Vila-Matas (que pode começar com Bartleby e companhia e, em seguida, abarcar também O mal de Montano). Isso porque são os dois lados da doença da literatura: Bartleby está para a falta (o silêncio) assim como Montano está para o excesso (a compulsão grafológica). Fernando Pessoa é a primeira e mais óbvia peça da montagem - já está presente em Vila-Matas desde a História abreviada. Em Bartleby e companhia, contudo, aparece um Pessoa filtrado pela ficção de Antonio Tabucchi, o principal interlocutor de Vila-Matas para "temas portugueses".
2) A primeira aparição portuguesa em Bartleby e companhia é em dose dupla: Miguel Torga e Edmundo de Bettencourt. Dupla complicada, dissidentes da revista Presença (cujo primeiro número é de 1927, exatamente o ano no qual a conjura portátil é dissolvida por Aleister Crowley), revista que levava adiante certo humanismo ideologicamente purificado pessoano. O fragmento 22 de Bartleby e companhia consegue deixar esses aspectos programáticos no subterrâneo (mas presente, sutilmente) ao focar na respeitosa admiração de Torga por Bettencourt.
3) Em seguida, no fragmento 33, retorna Pessoa - agora com o Barão de Teive, seu "heterônimo suicida" (já gastei algumas páginas analisando essa presença pessoana no livro de Vila-Matas). Antes de se matar, segundo Vila-Matas, o barão teria pensado: "somos tímidos com as mulheres, Deus existe mas Cristo não tinha biblioteca, nunca chegamos a nada, mas ao menos alguém inventou a dignidade". Que curiosamente é uma adaptação do verso de Pessoa no poema "Liberdade": Mais que isto / É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de finanças / Nem consta que tivesse biblioteca...
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