domingo, 31 de dezembro de 2017

Céline, Perón, 1

O ator de que fala Céline em De Castelo em Castelo - esse ator francês que foi para a Argentina trabalhar -, a quem ele se refere como "La Vigue", existiu de fato e se chamava Robert Le Vigan (1900 - 1972). O ponto alto de sua carreira foi o papel de Jesus Cristo no filme Golgotha, de 1935, dirigido por Julien Duvivier, mas de 1931 a 1945 ele fez mais de 30 filmes na França. De certa forma, a odisseia do ator e de sua esposa Anita pelo pampa representa, em miniatura, toda a odisseia de Céline e a trupe de colaboracionistas que escapa da França em direção ao Castelo de Sigmaringen (essa travessia do pampa faz lembrar também o romance de Saer, As nuvens, de 1997, história de um jovem psiquiatra que, em 1804, conduz cinco loucos a uma clínica, viajando de Santa Fe a Buenos Aires). Depois da guerra, Le Vigan foi condenado a 10 anos de prisão, sendo libertado depois de cumprir três anos. Depois disso, foi para a Espanha e, em seguida, para a Argentina, morando em Tandil (350 km de Buenos Aires), onde morre em 1972. Le Vigan ficou conhecido por repassar regularmente à Gestapo "cartas de delação", nas quais visava membros da classe artística, denunciando judeus e membros da resistência.   

sábado, 30 de dezembro de 2017

Céline, Perón

1) Com as investigações de Ricardo Piglia sobre as origens do teatro argentino ainda frescas na memória, chamou minha atenção esse trecho de Céline, quando estava lendo De Castelo em Castelo: o narrador reencontra um amigo ator, desaparecido há anos, que relata ter passado um tempo na Argentina. "Como veio parar aqui?", diz o narrador ao amigo ator, "Era complicado... escuto-o... trabalhava na Argentina... tinha encontrado, sorte dos diabos!... uma 'figuração', uma 'externa' com sua mulher, a Anita...".
2) O amigo ator toma a palavra e diz: "Está vendo as esporas?... espie só!... 'gaúcho'!... um filme que devia durar dois meses!... logo de cara eu ganho o papel... não pedi nada, claro! fui praticamente forçado... pergunte para a Anita!... um filme histórico... primeiro 'gaúcho'... e depois 'bandido'... e depois 'general dos insurgentes'... um filme sobre a história deles lá... justo quando o Perón cai!... e era ele que subvencionava! aí eu disse: Até logo! vou dar no pé!... aí pensei, o Lebrun! o Pétain! o Hitler! eu já tinha me divertido bastante!... o Perón... que merda!.... fogo na roupa, todos os portos fechados, interditados!... a gente só encontrava um cargueiro para a França em Santiago do Chile!... e tem mais!... toda a travessia da América, o pampa todinho!... três meses de mato, alto assim, ó, o mato!".
3) Um colaboracionista francês escapa para a Argentina e quase faz um filme de gaúcho sob os auspícios de Perón. Ao cair o presidente, em 1955, o ator precisa fugir: "Conhece o pampa?... três meses!... na Cordilheira a gente acha tudo!... um acampamento completo!... um maria-fumaça que ia serpenteando a montanha... um trem de verdade!... uma cidade de gaúchos!... a gente fez a maior festa! se você visse!... nos cobriam de tudo!... tinham me visto, tinham uma sala de cinema, me conheciam!... 'sonora' e tudo!... e tinham me visto no Goupil!" (Louis-Ferdinand Céline, De Castelo em Castelo, trad. Rosa Freire d'Aguiar, Cia das Letras, 2004, p. 115-116).

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Tristeza, piedade

1) Qualquer recorte de fragmentos de textos/diários/cartas/etc de 1933 a 1945 (seja aquele que Calasso apresenta em seu último livro ou não) se encerra num ponto crítico, que é, ao mesmo tempo, de resolução e intensificação. Calasso cita as cartas de Céline, especialmente aquelas da década de 1930, seu melhor momento (alinhado à direita, Céline prosperava também com os direitos autorais de seus romances - e também com a venda de seus panfletos antissemitas, que chegava às dezenas de milhares). Com o fim da guerra, contudo, a vida de Céline muda drasticamente: ele precisa fugir da execução certa que esperava boa parte dos colaboracionistas. Seus romances do pós-guerra lidam com essa experiência, entre eles, e especialmente, De Castelo em Castelo, de 1957.
2) O estilo de Céline é o mesmo dos romances da década de 1930, mas ele parece intensificado pelo caráter absurdo da fuga e da estadia de quase dois mil colaboracionistas franceses em um castelo na Alemanha, o castelo de Sigmaringen, de novembro de 44 a março de 45. A situação é absolutamente precária (Céline fala inúmeras vezes da latrina que transborda e inunda seu andar), minuciosamente localizada no tempo e no espaço e, ao mesmo tempo, tão representativa da vida política e suas dinâmicas desde os gregos (situação contra reação, expurgo dos vencidos, etc). 
3) Como o documentário de Marcel Ophüls, Le Chagrin et la Pitié, ou as palestras de Sebald reunidas em Guerra aérea e literatura (e ainda assim tão diferentes entre si), o romance de Céline dá conta dessa zona de sombra que liga e separa a vitória da derrota. Céline comenta como o Castelo balança com as bombas, por exemplo:

...covil-berço da mais importante criação dos mais rematados lobos rapaces da Europa! era a grande pilhéria desse Santuário! e como balançava, nem lhe conto, sob as esquadrilhas que não paravam, milhares e milhares de "fortalezas voadoras", para Dresden, Munique, Augsburgo... de dia, de noite... que todos os pequenos vitrais se espatifavam, pulavam para o rio!... você vai ver!..." (Louis-Ferdinand Céline, De Castelo em Castelo, trad. Rosa Freire d'Aguiar, Cia das Letras, 2004, p. 153).
  

sábado, 23 de dezembro de 2017

Turistas (Calasso, Didi-Huberman)

1) Um dos principais atrativos da escrita de Roberto Calasso é a capacidade que tem de fazer do leitor uma sorte de participante. Isso ocorre - em grande medida a lição é de Walter Benjamin - muito mais por conta daquilo que não é dito do que por conta do que é apresentado pelo crítico. Ou seja, trabalhando a partir de lacunas e elipses, Calasso faz o leitor preencher os espaços vagos a partir de seu próprio repertório (como a antiga máxima que diz que a música se dá nos silêncios entre uma nota e outra).
2) No caso do seu último livro (que já comecei a comentar aqui), Calasso apresenta essa colagem de fragmentos que vai de 1933 a 1945, uma variedade de fragmentos que, no entanto, deixa uma série de personagens de fora. A escolha de Calasso é dialética, os fragmentos oscilam entre desesperados (Joseph Roth, Walter Benjamin) e celebratórios (Céline, André Gide), encerrando com a entrada de Vassili Grossman e do Exército Vermelho em Treblinka. Ou seja, ainda que não declare abertamente isso, Calasso encerra a segunda parte de seu livro preparando o caminho para a releitura da primeira (que faz a relação entre terrorismo e turismo nas últimas décadas).
3) Se durante a II Guerra a notícia dos campos era recebida com descrença (vide a história de Jan Karski), é possível dizer que parte da história da segunda metade do século XX é a história da revisão dessa descrença e da absorção dessa "notícia". É precisamente o problema que toca Calasso em seu livro ao falar do "turismo" e dos "turistas", e também o problema que aborda Didi-Huberman em Cascas: "em 2011, oito após a publicação de Images malgré tout, Georges Didi-Huberman vai ao campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, como um turista até certo ponto qualquer, com sua máquina fotográfica em punho. Esse tour ou deambulação pelo coração do que sobrou da máquina de morte nazista dará origem ao ensaio “Cascas” (Ecorces, no original), espécie de caderno de notas, ou ensaio autobiográfico, escrito a partir das fotografias registradas pelo filósofo" (fonte).   

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Coçar a perna

"Montaigne, no ensaio Sobre a crueldade, escrevendo sobre os últimos minutos da vida de Sócrates, conta como dizem que ele coçou a perna. 'Aquele arrepio de prazer que ele sente ao coçar a perna depois que os ferros foram retirados não indica uma semelhante doçura e alegria em sua alma, por estar livre dos incômodos passados e até mesmo por enfrentar o conhecimento das coisas por vir?'. Mas enquanto Montaigne é essencialmente pré-romanesco, porque tem uma tendência a moralizar tais detalhes, e vê esse momento como um exemplo não de acidente, mas de vigor moral, um escritor posterior como Tolstói considerará esse gesto acidental ou automático - a vida apenas desejando instintivamente prolongar-se para além da morte. Penso no momento testemunhado por Pierre em Guerra e paz, quando ele vê um jovem russo, vendado e prestes a ser executado por um esquadrão de fuzilamento, remexer nervoso sua venda, talvez para se sentir um pouco mais confortável" (James Wood, A coisa mais próxima da vida, trad. Célia Euvaldo, Sesi-SP editora, 2017, p. 62-63).
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"A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos. E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora [1981] começa a ser traduzido na Itália): 'Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer''" (Italo Calvino, Por que ler os clássicos, Cia das Letras, 1993, p. 16).

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O inominável atual

1) Roberto Calasso divide seu último livro (L'innominabile attuale) em três partes: "Turistas e terroristas", "A Sociedade Vienense de Gás" e "Avistamento das Torres". As duas primeiras partes regulam de extensão (70, 80 páginas), mas a terceira é brevíssima, apenas o resgate de uma anotação de Baudelaire, um sonho ou visão, em um papel que Calasso declara como "indatável". Nessa anotação, Baudelaire diz ter visto a queda de uma torre, um enorme edifício, queda essa ignorada pelas "nações" (Calasso faz o paralelo com as Torres Gêmeas e o 11 de setembro e encerra o livro).
2) Na primeira parte do livro, Calasso tenta dissecar a categoria do Homo saecularis, ou ainda, a presença do secularismo na sociedade moderna, as relações possíveis entre as categorias sociais e as categorias religiosas e como essa tensão permanece e se intensifica hoje (especialmente nesse confronto do título, "turistas e terroristas", aqueles que cultivam a mobilidade e aqueles que abominam a mobilidade - seja dos corpos, seja dos costumes). "Homo saecularis é inevitavelmente turista", escreve Calasso, e continua: "Não apenas quando viaja. Zapping e link formam uma vasta parte de sua vida mental. São operações pré-existentes, que um dia alcançaram a configuração indicada nos dois termos. Bouvard e Pécuchet já as praticavam, sem necessidade de recorrer a qualquer suporte técnico" (p. 62).
3) A segunda parte é uma espécie de Livro das Passagens, de Benjamin, em miniatura: uma coleção de citações (mas comentadas e editadas). "Não são lembranças", escreve Calasso de introdução, "Mas de palavras escritas, publicadas, ditas, referidas, registradas nos dias entre o início de janeiro de 1933 e maio de 1945. Todas as imagens daqueles anos, de qualquer proveniência, exalam algo de hipnótico. Foi o auge do preto e branco, no cinema e na vida. Quando aparece o technicolor, parece uma alucinação. Era como se o tempo tivesse formado uma espiral cada vez mais estreita, que terminava em um estreitamento" (p. 95). Das várias fontes disponíveis, Calasso seleciona, por exemplo, os diários de Ernst Jünger (o momento em fica sabendo dos campos de extermínio) e de André Gide (sua insistente defesa de Hitler e Stálin), as cartas de Benjamin e de Céline (suas amantes, sua fuga), as cartas de Beckett escritas durante sua viagem de meses através da Alemanha em 1936.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Flaubert e Turguêniev

"Havia algo muito comovente na natureza da amizade que unia esses dois homens. A meu ver, honra bastante Flaubert a estima que sentia por Turguêniev. Havia uma semelhança parcial entre eles. Ambos eram homens grandes, corpulentos, embora o russo fosse mais alto do que o normando;ambos eram totalmente honestos e sinceros e ambos possuíam o elemento pessimista em sua constituição. Ambos tinham uma recíproca estima afetuosa e creio não estar errado, nem ser indiscreto, ao dizer que, da parte de Turguêniev, essa estima tinha um traço de compaixão. Havia, em Gustave Flaubert, algo que induzia a esse sentimento. No todo, havia fracassado mais do que obtido êxito e o grande maquinário de erudição - o grande processo de burilamento -, que ele pôs em funcionamento nas suas obras, não se fez acompanhar de resultados proporcionais. Tinha talento sem ter habilidade, tinha imaginação sem ter fantasia. Seu esforço foi heroico mas, exceto no caso de Madame Bovary, uma obra-prima, ele conferiu às suas obras algo (como se as tivesse recoberto de placas metálicas) que as fizeram afundar em vez de flutuar. Queria produzir frases perfeitas, perfeitamente interligadas, e o mais estreitamente urdidas, como a malha de uma armadura. Mas havia algo pouco generoso no seu gênio. Era frio, e ele teria dado tudo para ser capaz de arder" (Henry James, "Ivan Turguêniev", publicado originalmente na revista Atlantic Monthly, janeiro de 1884 - consultado em Ivan Turguêniev, Pais e filhos, trad. Rubens Figueiredo, Cosac Naify, 2004, p. 350-351).
"Como muitos autores daquela época, Turguêniev é explícito demais, não deixando espaço para a intuição do leitor, sugerindo e depois explicando pesadamente a que se referia cada sugestão. Ele não é um grande escritor, embora escreva de forma bastante agradável. Nunca produziu algo comparável a Madame Bovary, e dizer que ele e Flaubert pertenciam à mesma escola literária é um engano total. Nem a disposição de Turguêniev de enfrentar qualquer problema social que estivesse na moda nem sua manipulação banal das tramas (sempre seguindo o caminho mais fácil) pode ser assemelhada à arte severa de Flaubert. Turguêniev, Górki e Tchekhov são especialmente bem conhecidos fora da Rússia, mas não há um modo natural de ligá-los. No entanto, talvez seja interessante notar que o pior de Turguêniev estava claramente presente nas obras de Górki, e o melhor de Turguêniev (em matéria de paisagens russas) foi lindamente desenvolvido por Tchekhov" (Vladimir Nabokov, Lições de literatura russa, trad. Jorio Dauster, Três Estrelas, 2014, p. 106-107). 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A atriz no deserto

"Entro e saio da história argentina. Agora as origens do teatro."

Ricardo Piglia, Los diarios de Emilio Renzi, tomo II, Los años felices, Anagrama, 2016, p. 416.


1) Essa é uma anotação de Piglia/Renzi do dia 02 de dezembro de 1975. Um de seus desenvolvimentos possíveis está em uma das seções de O último leitor, que Piglia publica em 2006. No capítulo de O último leitor sobre Anna Kariênina há uma seção intitulada "Uma atriz no deserto". Piglia cita Estanislao Zeballos e seu livro Callvulcurá e a dinastia dos Piedra. Seleciona o trecho no qual Zeballos menciona o coronel Baigorria, "que se enfia terra adentro para viver com os índios e lê o Facundo no deserto". Zeballos, cita Piglia, conta a história de uma mulher prisioneira, "uma atriz prisioneira no deserto aí por meados do século XIX, no rio da Prata. Uma figura enigmática. Ela tem, em seu silêncio, a lembrança dos livros que leu e que carrega na memória. Podemos imaginar sua história, os teatros em que atuou e os textos que leu e que ecoam, como uma música, no silêncio do deserto. A história de uma atriz prisioneira. A atriz como leitora".
2) Piglia entra e sai da história argentina, portanto, pela oscilação entre o geral e o particular. Depois de citar Zeballos, Piglia contextualiza: "Correm os tempos de Rosas. Naqueles anos, várias companhias atuam em Buenos Aires. Apresentam espetáculos no teatro Vitória e no teatro Argentino de Buenos Aires, fazem turnês pelo interior do país, se apresentam também em Montevidéu, Santiago do Chile e Rio de Janeiro. Pequenas companhias percorrem, na época, as províncias e os países vizinhos. Entre elas - como registra Raúl Castagnino em O teatro na época de Rosas - se destaca a de Telémaco González, que viajava para o Chile frequentemente e que era formada por Trinidad Guevara e Juan Casacuberta, fundadores do teatro nacional". 
3) No início do parágrafo seguinte, Piglia retorna ao detalhe, aproximando o foco, e escreve: "Mas o que nos interessa é um pequeno incidente narrador por Beatriz Seibel em História do teatro argentino. Nesse livro ela relata uma das turnês da companhia de Telémaco González pelas províncias, possivelmente com o objetivo de voltar ao Chile, onde era muito conhecido". A partir de duas fontes distintas (Seibel e Castagnino), Piglia rastreia detalhes da companhia de González. É o próprio González quem mais tarde relata o ataque "de índios selvagens" sofrido pela companhia, durante o qual tiveram que abandonar, "deixando para trás, prisioneiras, a mãe e o resto da família". 
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A hipótese de Piglia, portanto, é a de que a atriz sem nome de Baigorria seja parte dessa comitiva de González atacada pelos índios. Essas companhias foram as primeiras a encenar Shakespeare (e Sarmiento escreveu a crítica de Otelo, informa Piglia entre parênteses). "Podemos imaginar nossa prisioneira atuando em Hamlet ou quem sabe em Otelo. E as tragédias de Shakespeare ecoando na memória daquela mulher no deserto" (Piglia talvez aí faça referência ao conto de Borges, "A memória de Shakespeare", incluindo mais um elemento na equação borgeana). "Sempre há um livro no deserto", finaliza Piglia, "sempre aparece a ideia de um livro que sobrevive no deserto e que, como no Facundo lido por Baigorria, encerra a verdade deste mundo e prediz seu fim". 

sábado, 9 de dezembro de 2017

Sacrifício, experimento

Roberto Calasso, em seu último livro, L'innominabile attuale, fala de um deslizamento (semântico, simbólico) da ideia de sacrifício para a ideia de "experimento". Não há qualquer menção à noção de "biopolítica" da parte de Calasso, mas essa oscilação entre "sacrifício" e "experimento" é em grande medida a oscilação entre "política" e "biopolítica". Calasso cita Karl Kraus e seu trabalho monumental Os últimos dias da humanidade, feito a partir do que se lia nos jornais e se escutava pelas ruas na época da I Guerra Mundial (Kraus morre em 1936). Atravessando a polifonia de Kraus, está um tema constante, diz Calasso: o sacrifício pela pátria, pelos costumes "civilizados". Pouco adiante, surgirão os "dois maiores experimentadores sociais do século XX", escreve Calasso, "Hitler e Stálin" (sorte de engenheiros que tinham à disposição milhões de corpos e mentes).