quarta-feira, 17 de julho de 2024
Selenografia onírica
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Viagem à Lua
2) Sobre a certeza foi o último esforço filosófico de Wittgenstein. As anotações começam em 1949 e vão até 1951, ano de morte de Wittgenstein. Ele escreveu parte das notas entre abril de 1950 e fevereiro de 1951, quando morou em Oxford, na casa de sua aluna e futura editora Gertrude Anscombe (que será uma das responsáveis por Sobre a certeza depois da morte do filósofo). A última anotação de Wittgenstein é do dia 27 de abril de 1951 (ele havia feito aniversário no dia anterior, 26 de abril, 62 anos). Ele morre dois dias depois, na casa do seu médico, Edward Bevan (foi para a esposa deste, Joan, que Wittgenstein disse suas últimas palavras: Tell them I've had a wonderful life).
3) Wittgenstein, que gostava muito de ir ao cinema (e sentar na primeira fila, como informa o biógrafo Ray Monk), talvez tenha visto Viagem à Lua, de Méliès. Outro aspecto interessante na relação de Wittgenstein com uma (possível, impossível?) viagem à Lua é sua formação como engenheiro: ele chega à Victoria University of Manchester em 1908 com a intenção de estudar, entre outras coisas, aeronáutica. De certa forma, quando ele conta a fábula da criança em Sobre a certeza, não oferece um comentário exclusivamente da posição de filósofo, mas também - ainda que indiretamente - da posição de engenheiro (trata-se, para ele, também de uma impossibilidade mecânica: como voar até lá, que tipo de propulsão seria necessária, etc).
sexta-feira, 5 de julho de 2024
"Tentei ler"
"Roland Barthes era um homem por quem eu tinha amizade, mas que jamais consegui admirar. Parecia-me que ele assumia sempre a mesma postura professoral, muito controlada, rigorosamente partidária. Uma vez encerrado o ciclo 'Mitologias', não tive mais condições de lê-lo. Depois de sua morte tentei ler seu livro sobre a fotografia, até hoje não consegui, exceto um capítulo muito bonito sobre a mãe. Essa mãe venerada, que foi sua companheira e a única heroína do deserto de sua vida. Em seguida tentei ler Fragmentos de um discurso amoroso, mas não consegui. É muito inteligente, é claro. Apontamentos amorosos, é, é isso, amorosos, eximindo-se daquele jeito, sem amar, mas coisa alguma, parece-me, nada, um encanto de homem, um encanto mesmo, de todo modo. E escritor, de todo modo. Aí está. Escritor de uma determinada escritura, imóvel, regular"
(Marguerite Duras, A vida material, trad. Heloísa Jahn, Globo, 1989, p. 38)
segunda-feira, 24 de junho de 2024
Angelus McFly
1) No final do seu romance 10:04, Ben Lerner retorna ao começo e explica o texto que estava na abertura, na epígrafe - uma espécie de performance hermenêutica que reitera o ponto principal do livro: a ideia de que o sentido nunca se oferece completamente e, nas ocasiões em que se oferece (mesmo que de forma provisória e incompleta), o faz sempre retrospectivamente ("entender" é um jogo com o tempo: estar no futuro que se transformou em presente e, dessa posição impossível, resgatar do passado todos os "futuros possíveis", todas as projeções e tentativas que foram planejadas/esboçadas, promovendo uma comparação com esse futuro que se transformou em presente). Ao reconstruir rapidamente a genealogia da epígrafe (história encontrada em um livro de Agamben, geralmente atribuída a Walter Benjamin), Lerner força o leitor a uma releitura da epígrafe e, por que não, do romance todo.
2) Lerner, evidentemente, não dá a informação completa - ele se limita a colocar em circulação essas duas referências, Agamben e Benjamin, omitindo outros dois nomes mencionados por Agamben em A comunidade que vem: Benjamin ouviu uma "parábola sobre o reino messiânico" de Gershom Scholem, contou para Ernst Bloch e este incorporou a história ao seu livro Spuren ("vestígios", "traços", "pistas"), de 1930. Mais uma vez a cronologia é embaralhada e a própria manifestação de um exemplo (uma história sobre a criação discursiva de um mundo possível) carrega em si uma sorte de versão resumida do argumento: o passado é aquilo que acontece quando narramos, na posição impossível do presente, os vários futuros outrora imaginados.
3) "Tudo será como agora, só que um pouco diferente": Lerner usa a frase final da história que está na epígrafe ao longo de todo o romance, voltando à fonte (Walter Benjamin - embora não seja exatamente uma "volta", já que sabemos apenas no final ("Agradecimentos") que Benjamin está na epígrafe, mesmo que não-nomeado) no momento em que cita o Angelus Novus de Klee das teses sobre o conceito de história - imagem que é aproximada, por Lerner, em seu romance, do personagem Marty McFly do filme De volta para o futuro (o anjo impelido para a frente, pelos ventos do progresso, de Benjamin, se transforma, no romance de Lerner, em uma figura do cinema, em algo que diz respeito diretamente à trajetória do narrador, a um filme da infância, etc).
sexta-feira, 14 de junho de 2024
Do limbo
2) Já no começo de seu livro A comunidade que vem, de 1990, na segunda seção, intitulada "Do limbo", Agamben fala das crianças a partir de Tomás de Aquino (e comento a partir das crianças por conta do trecho da epígrafe de Lerner que fala sobre o sono do filho, algo que será importante ao longo do romance): Agamben comenta que o Doctor Angelicus do século XIII postulou que a pena das crianças não batizadas no limbo não poderia ser a mesma pena daqueles que sofrem no inferno - não será uma pena aflitiva, e sim uma pena privativa, ou seja, uma privação da visão de Deus (uma carenza, escreve Agamben, uma "carência", "falta" ou "vazio" que se expande infinitamente ao longo da eternidade).
3) Essas crianças sem batismo estão suspensas, congeladas em uma ambivalência (um momento específico como 10:04?): come lettere rimaste senza destinatario, escreve Agamben ("cartas sem destinatário"), questi risorti sono rimasti senza destino (eles estão "sem destino"). Né beati come gli eletti, né disperati come i dannati, essi sono carichi di una letizia per sempre inesitabile: nem eleitos, nem condenados, estão carregados de uma alegria que não acaba, que não se esgota (em termos mais literais, que não pode ser vendida). Um comentário sobre a palavra risorti, usada por Agamben para se referir às crianças no limbo: tem relação não apenas com os "ressuscitados", mas guarda também um contato etimológico com a ideia daqueles que dependem de certa jurisdição, ou que procuram refúgio ou asilo (ressort, ressortum, resortire).
quinta-feira, 6 de junho de 2024
Ratos e vermes
terça-feira, 4 de junho de 2024
Bom-mocismo
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Em alguns momentos, o tradutor brasileiro faz com que a leitura da edição brasileira seja também, simultaneamente, a leitura de várias outras traduções: na abertura das notas ao final do livro, o tradutor informa que consultou outras oito versões de Crepúsculo dos ídolos - uma portuguesa, uma brasileira, uma espanhola, uma italiana, uma francesa, uma estadunidense e duas inglesas. Por conta disso, algumas notas apresentam também as soluções dadas nessas outras oito versões: ao traduzir Biedermännerei como "bom-mocismo", o tradutor informa que as soluções alheias (na ordem) foram as seguintes: "as ingenuidades", "lengalenga dos bons homens", "la mojigatería", "l'atteggiamento benpensante", "la lourde honnêteté", "the Philistine moralism", "the philistinism", "the smugness" (p. 129, n. 151).