Sándor Márai, 1924 |
1) Libertação mostra um Sándor Márai distante de seus temas recorrentes - ele desloca a narrativa do interior burguês (as casas, as mobílias, as conversas, os jantares, as roupas, os segredos) em direção à voragem da guerra. Libertação demorou mais de cinquenta anos para ser publicado - foi editado postumamente em 2000, e Márai o escreveu logo depois da guerra, aproveitando sua própria experiência de refugiado e fugitivo na Budapeste da II Guerra Mundial.
2) É importante, dentro da poética de Márai, esse deslocamento de cenários: se em 1934-35 ele estava publicando Confissões de um burguês e, no ano seguinte, Divórcio em Buda (justamente o ano em que Benjamin e Lukács estão refletindo sobre os vínculos entre narração, burguesia e sociedade), dois livros bastante emblemáticos da Primeira Fase de Márai, com a guerra esse retraimento será abandonado.
3) Os principais eixos dos livros de Márai anteriores à guerra sobrevivem também em Libertação - com a diferença sensível de que nesse livro esses eixos foram desfigurados pela vivência da destruição. O viver-junto de Libertação não é o mesmo de As brasas: não mais a sala ampla com lareira, mas o porão úmido e insalubre; não mais a conversa sobre acomodações em Marienbad, mas a engenharia dos corpos no refúgio; não mais as cascas de laranja cristalizada, mas o pedaço de pão mofado dividido entre cinco.
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