quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ignorância perfeita, 1

Naquela célebre conversa que Enrique Vila-Matas teve com Juan Villoro, em 19 de dezembro de 2006, no Restaurante Bauma, em Barcelona, eles conversam sobre Shakespeare. Villoro pergunta algo como: por que você utiliza citações de outros autores como se fossem criações suas? E Vila-Matas fala de Shakespeare, da memória de Shakespeare, da nossa memória como a memória de Shakespeare, e finaliza dizendo: 
Que sou um falso erudito digo há tempos, explicando que muitas citações são inventadas. E que se as invento, e isso também inventei como desculpa, é porque não me atrevo a dizer que é minha uma frase e penso que se digo que é de Shakespeare, funciona melhor - e no fim as pessoas gostam da frase. E se é ruim, como é de Shakespeare, comigo não acontece nada.
Mas e se a frase de Shakespeare já estivesse adulterada desde o início? Vila-Matas não é um erudito, mas Robert Darnton certamente o é e, em um texto sobre o ofício da bibliografia ("A importância de ser bibliográfico", em A questão dos livros), menciona o inesquecível "Tipógrafo B", "um trabalhador particularmente negligente" que "ao encontrar uma frase que considerava deficiente, ele a 'melhorava'". Trata-se de uma versão de 1619 de O mercador de Veneza - e Darnton afirma que essa versão "é puro tipógrafo B", e o "texto da peça como um todo (que tem em média um erro significativo a cada 23 falas) é um Shakespeare muito contaminado".
um Shakespeare muito contaminado

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