Karl Briullov, O último dia de Pompeia, 1830-1833 |
1) Em março de 1971, George Steiner dá uma conferência na Universidade de Kent, na Inglaterra, que tem por objetivo indicar sugestões para uma redefinição da cultura da época. Steiner argumenta que a cultura do século XX, especialmente após a II Guerra, trava um intenso diálogo com o romantismo do século anterior. Esse contato, entretanto, privilegia uma camada subterrânea do movimento romântico: antes a exploração social do que a alta civilidade; antes a hipocrisia do que a liberdade de pensamento; antes a ameaça do Estado do que a segurança. A cultura do século XX, portanto, quando se volta para seu passado recente, procura a violência que lhe constituiu – principalmente aquela que está contida nos objetos artísticos da época. Nas palavras de Steiner:
É precisamente a partir da década de 1830 que se pode observar a emergência de um “contra-sonho” - a visão da cidade arrasada, a fantasia da invasão dos citas e dos vândalos, dos corcéis mongóis a matar a sede nas fontes dos jardins das Tulherias. Desenvolve-se uma estranha escola de pintura: quadros de Londres, Paris ou Berlim vistas como ruínas colossais, edifícios famosos queimados, saqueados ou localizados em uma desolação misteriosa entre restos esturricados e águas estagnadas. A fantasia romântica antecipa a promessa vingativa de Brecht, de que nada restará das grandes cidades exceto o vento que sopra através delas. Exatamente cem anos depois, essas colagens apocalípticas e esses desenhos imaginários do fim de Pompéia se transformariam em nossas fotografias de Varsóvia e Dresden. Não é necessário a psicanálise para sugerir o quanto havia de realização de desejos nessas sugestões do século XIX.
George Steiner. No castelo do Barba Azul: algumas notas para a redefinição da cultura. Tradução de Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 29-30.
2) A ideia da arte que sonha a história a partir de uma leitura retrospectiva do tempo. Mais do que uma antecipação de Brecht, realizada pela inventividade romântica, como assinala Steiner, vale notar a intervenção que é possível realizar, a partir de Brecht e de sua promessa vingativa, sobre a matéria informe da história (feita de tempos sobrepostos e cruzados). Os quadros românticos das capitais destruídas só surgiram em toda sua potência de significação depois das imagens de Dresden e Varsóvia. A partir da I Guerra Mundial, o “contra-sonho” da experiência do século XIX se torna a realidade imediata - está na "ordem do dia".
3) Será o tempo de Walter Benjamin, em consonância com seu amigo Brecht, cristalizar a imagem do processo histórico na nona tese: um anjo com o rosto voltado para trás, as asas estufadas pelo vento, contemplando as ruínas que o progresso deixa atrás de si – imagens que traduzem o tempo a partir de confrontamentos desconfortáveis, como a visão dos cavalos mongóis matando a sede nas fontes clássicas francesas. A literatura apresenta alguns dos artífices da articulação do contra-sonho romântico com o tempo presente: no período entre-guerras, Joseph Roth, Isaac Babel ou Bataille; no pós-II Guerra, Gert Ledig, Sebald ou Andrzej Kusniewicz.
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