terça-feira, 24 de outubro de 2023

Lugar estranho


"Todos estamos dispostos a delirar, seja pelo lado histérico, seja pelo lado obsessivo; mas chega o momento decisivo de sair do delírio. Para alguns, o problema é como entrar e não conseguem isso nunca. Se acompanhamos trajetórias como a de Walter Benjamin, ou a de Freud, vemos que sua imaginação teórica se dá em momentos em que conseguem fantasiar, em que se desprendem do real. Constroem algo que não está nos 'fatos' - a aura, o inconsciente - e, com isso, chega a olhar melhor o que talvez esteja na realidade.

Se fazem isso, é porque, de alguma maneira, além de alçarem voo, houve um momento em que aterrissaram e puseram isso em uma escrita que é possível ler, que tem uma organização comunicável, ou várias ao mesmo tempo. Muitos cientistas e poetas constroem conhecimento com humor, esse outro incômodo ao real, e evitam se valentear fazendo metafísica ou misticismo. A poesia não é azar, escreveu Italo Calvino, mas 'uma tensão rumo à exatidão que fez ele próprio circular, várias vezes, por teorias e livros científicos"

(Néstor García Canclini, O mundo inteiro como lugar estranho, trad. Larissa Locoselli, Edusp, 2016, p. 141)

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