1) Todo o livro de Richard Holmes - Footsteps - é assombrado pela dinâmica da possessão - o biógrafo como alguém que transforma a própria vida em um recipiente a ser preenchido pelas energias do passado, pela presença fantasmática de um morto ou morta (como Mary Wollstonecraft, a quem Holmes dedica um capítulo). Como escrevi anteriormente, ele chega à Itália em 1972 depois de três anos enchendo cadernetas com anotações sobre Shelley, "possuído" por sua voz e de seus amigos e familiares ("vozes" que são projeções acústicas de algo que Holmes só tem acesso em forma escrita, pelas cartas). Em seguida no capítulo sobre Shelley, Holmes apresenta uma imagem ilustrativa da possessão: sua caderneta é dividida, nas páginas da esquerda a sua vida (suas viagens, suas impressões), nas páginas da direita a vida de Shelley (On the left-hand pages of my notebook I put fragments of my own travels, on the right-hand pages I put Shelley's, p. 137).
2) Se a dinâmica caligráfica entre Mary e o morto fazia pensar no Derrida de O cartão-postal (com Sócrates e Platão), a dinâmica de cisão entre Holmes e seu biografado faz pensar em um livro como Glas, que Derrida publica em 1974: no corpo de um texto, uma caderneta de trabalho que, de certa forma, é também um diário (já que acompanha o biógrafo em seu trabalho cotidiano), Holmes apresenta lado a lado a sua vida e a vida de Shelley; Derrida, por sua vez, apresenta no corpo do texto uma tensão de dois blocos biográficos, conceituais - Hegel de um lado, Jean Genet de outro (Derrida trabalha com duas colunas de texto com fontes de tamanhos diferentes; existe, contudo, uma triangulação inexistente em Holmes, já que Derrida rompe o binarismo Hegel-Genet com comentários próprios, "autobiográficos" em certo sentido).
3) Holmes conta que carrega consigo, na carteira, fotos não de sua família, mas da família de Shelley e do próprio; quando visita as cidades nas quais viveu o poeta, não circula pelos caminhos dos turistas, e sim pelos caminhos feitos décadas antes pelo poeta (passa a noite trabalhando, vai dormir com o amanhecer e acorda quando a cidade toda dorme após o almoço; aproveita a cidade vazia para caminhar); My own social life was very odd in Rome, escreve Holmes (p. 166); as leituras que faz são as leituras feitas por Shelley, apresentadas por Mary Shelley em uma entrada de seu diário: Read Montaigne, the Bible, and Livy. Walk to the Coliseum. Shelley reads Winckelmann (p. 164).
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