1) No início do último capítulo de Footsteps, Richard Holmes volta à ideia da possessão: depois de seu período na Itália, Holmes volta a Londres e começa a escrever a biografia de Shelley, eight hundred pages of it, todos os dias sem parar durante quatorze meses, I was possessed by it, and in the end it became something like an act of exorcism (p. 201). Como já escreveu Roberto Calasso em A literatura e os deuses, a cultura ocidental - justamente pela figura de Sócrates - é marcada desde os primórdios pela ideia da possessão; por outro lado, também já foi dito, a partir de Jacques Derrida, que "o mal de arquivo é uma doença da possessão, da mescla entre o ser e algo que está para além dele".
2) O livro de Holmes está, evidentemente, repleto de visitas aos arquivos. Uma das mais interessantes diz respeito a uma carta de Shelley, que Holmes só pôde ver muito tempo depois dos eventos narrados em Footsteps (de certa forma, portanto, a evocação da visita ao arquivo é também a evocação de um desencaixe da narrativa, uma dimensão out of joint da ficção da biografia tal como montada por Holmes; é precisamente o que faz o arquivo: desestrutura o presente com as energias latentes do passado). Uma das cartas de Shelley para Claire Clairmont, nota Holmes, conta com reticências em um trecho e uma nota editorial que avisa: one line is here erased (p. 159).
3) Pois é justamente esse apagamento que Holmes deve investigar no arquivo - o manuscrito, contudo, estava "na América", escreve ele, na Pforzheimer Library de Nova York; uma vez analisada, a carta de Shelley enviada de Veneza read very differently: as reticências estavam no lugar de uma frase reveladora: Meanwhile forget me & relive not the other thing. A frase está riscada - não se sabe se pela mão de Shelley ou de Claire - e Holmes comenta que The very deletion carries its own implication (uma frase que não só é eliminada no original, mas também na edição - no primeiro registro com um traço e no segundo com reticências -; dentro de uma ausência se esconde outra, de segundo grau, que só o arquivo pode revelar até que ponto estão ligadas e até que ponto conferem um sentido suplementar à carta de Shelley).
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