segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Nomes, delitos


1) "No Moreira de César Aira o popular 'mau', a violência, é o signo da vanguarda literária e da revolução, e a morte no prostíbulo, o momento socrático do texto: o momento da verdade literária, política e psicanalítica. Na contracapa, o livro tem esta inscrição: 'Volta neste romance o mais célebre dos sujeitos maus. Rodeado por seus discípulos, Juan Moreira aguarda a chegada da morte; enquanto isso, discutem sobre a imortalidade da produção (Moreira diz sempre a verdade). O romance desliza e se transfigura sobre cenas multiplicadas, mas os panos de fundo da Mãe Natureza impedem que se veja seu desenlace'. No texto, Moreira cita Freud e exorta: 'Sejam marxistas' (p. 61) e vence quatrocentos soldados, enquanto Felisa, a prostituta, fala do telefone em alemão: '- Wo es war, soll Ich werden (Se ela vai, eu não vou)' (p. 76). Os soldados dispersam-se, primeiro em 'bandos', depois em 'hordas'. E a história encerra-se sem narrar a morte" (p. 252)

2) "Boquitas pintadas não somente é 'o folhetim dos anos 60' pela ideologia da transgressão (a equivalência metafórica entre a violação dos tabus sexuais e a violação das normas discursivas que hoje associamos à teoria da textualidade), mas também, e sobretudo, porque exibe a passagem de uma 'cultura da biblioteca' a uma 'cultura dos meios' audiovisuais (essa passagem é o que Manuel Puig representa nitidamente na literatura argentina). Um texto sobre os signos e a circulação; sobre a circulação das cartas e dos corpos e seu fim na equivalência cremar/queimar: as cartas se queimam e os corpos mortos 'se queimam em contato com o muro'. E também é um texto fortemente marcado, que se auto-representa constantemente em seu interior. É também um folhetim dos anos 60 pelo questionamento da categoria de 'autor' e pela proliferação de narradores e cronistas que desmentem a existência de uma posição fixa de onde emanaria o discurso" (p. 366-367)

3) "Outros textos de Borges da década de 1940 com nomes no título, além de 'Pierre Menard', mostram delitos da verdade (delações, falsas identidades ou nomes, pactos fraudulentos ou juramentos falsos, e no campo da escritura, plágios e pseudoepigrafismos): 'La búsqueda de Averroes', 'Abenjacán el Bojarí, muerto en su laberinto', 'La forma de la espada' (que é a tradução do nome Moon como delator escrito em seu rosto), 'Funes el memorioso', 'Examen de la obra de Herbert Quain', 'Biografía de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874)' e 'Emma Zunz'. Os contos de Borges com títulos de nomes giram ao redor dos delitos da verdade e da legitimidade, e são políticos ou incluem alguma referência política. E sua política é, também, ambivalente. Incluem outras línguas orais ou escritas, estrangeiras, e delitos verbais como nomes falsos, delações e pactos fraudulentos que sustentam e acompanham a ficção. Em todos eles se combinam crônica e confissão, discursos narrativos da verdade (como em Los locos-Los monstruos [de Roberto Arlt])" (p. 398)

(Josefina Ludmer, O corpo do delito: um manual, trad. Maria Antonieta Pereira, Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002)

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