sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Corpo e política


1) No epílogo de Los lanzallamas, o "cronista" responsável pela narração (ou seja, o jornalista que recebe Remo Erdosain em sua casa e ouve sua confissão ao longo de três dias) conta o que aconteceu com Erdosain depois de seu suicídio no trem. Chama a atenção a reivindicação do cadáver do "feroz assassino", como dizem as manchetes: "foi fotografado cento e cinquenta e três vezes no espaço de seis horas"; na delegacia, um "ancião respeitável", "pai do Chefe Político do distrito", cospe no rosto do cadáver e diz: Anarquista, hijo de puta. Tanto coraje mal empleado.

2) O destino dos cadáveres tem sido um tema recorrente na literatura argentina: em 1998, Paola Cortés Rocca e Martín Kohan publicam Imágenes de vida, relatos de muerte: Eva Perón: cuerpo y política, um livro sobre o mais famoso desses cadáveres, comentando uma série de textos que dele se ocuparam - os dois romances de Tomás Eloy Martínez; a peça de Copi de 1969, Eva Perón; o conto de Borges, "El simulacro", publicado originalmente em 1956 (hoje no livro El hacedor); "Esa mujer", conto de Rodolfo Walsh (do livro Los oficios terrestres, de 1965); "Eva Perón en la hoguera", poema de Leónidas Lamborghini; "El cadáver de la Nación", poema de Néstor Perlongher; "La señora muerta", conto de David Viñas publicado no livro Las malas costumbres, de 1963, e assim por diante.

3) "Uma tarde Juan C. Martini Real me mostrou uma série de fotos do velório de Roberto Arlt. A mais impressionante era uma tomada do caixão pendurado no ar por cabos e suspenso sobre a cidade. Haviam armado o caixão no quarto dele, mas tiveram de retirá-lo pela janela com aparelhos e roldanas porque Arlt era grande demais para passar pelo corredor. Aquele caixão suspenso sobre Buenos Aires é uma boa imagem do lugar de Arlt na literatura Argentina. Morreu aos quarenta e dois anos e sempre será jovem e sempre estaremos tirando seu cadáver pela janela" (Ricardo Piglia, Formas breves, trad. José Marcos Mariani de Macedo, Cia das Letras, 2004, p. 33).

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