2) Em Cervantes a instabilidade do nome era uma questão central, começando antes, com o Lazarillo de Tormes (1554), cujo herói é sempre chamado de Lázaro, e não Lazarillo. Três aspectos contribuem para a instabilidade dos nomes na literatura desse período: desatenção dos autores com relação aos nomes que escolhem para os personagens; erro técnicos por parte de compositores nas prensas; percepção geral frouxa da identidade como atributo individual, estável. A esposa de Sancho Pança, por exemplo, no Quixote, recebe vários nomes ao longo da história: Juana Gutiérrez, Mari Gutiérrez, Juana Pança, Teresa Pança e, por fim, Teresa Sancha.
3) Cervantes, no entanto, amplifica o procedimento da instabilidade do nome: a história do Quixote começa quando o homem recusa seu nome cotidiano/social e adota o nome inventado, o nome da sua fantasia de cavaleiro - Alonso Quijano recusa seu nome e se declara Dom Quixote de la Mancha. O feitiço que inaugura a história é possível porque há a mudança de nome, o que é comprovado no final do romance, quando Dom Quixote mais uma vez recusa seu nome-fantasia para retornar ao nome-cotidiano, ou seja, quando antes de morrer ele decide interromper o encantamento, identificando-se como Alonso Quijano (interrompendo a suspensão da descrença que, de resto, torna a própria literatura possível).
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