sexta-feira, 12 de março de 2021

Ao redor do inorgânico


1) Quando fala do sex appeal do inorgânico (o fascínio provocado pela morte, pela dissolução, pelo silêncio), Walter Benjamin aponta que o fetichismo (o fascínio por objetos ou detalhes) é seu "nervo vital". Em linhas gerais, Benjamin parte de Marx para refletir sobre o contato do orgânico com o inorgânico, ou ainda, do corpo humano com os objetos que o cercam (o capital inorgânico que absorve, sem descanso, a força vital dos indivíduos). Benjamin também encontra essa ambivalência (o objeto como esfera do uso e como esfera da absorção da energia vital) na poesia de Baudelaire, em seus recortes e seleções, seu cuidadoso desenvolvimento de uma "doença" do olhar poético, uma enfermidade da sensibilidade que, simultaneamente, faz do poeta um ser singular e um ser condenado.

2) Em paralelo à elaboração de Benjamin, Georges Bataille desenvolvia também uma reflexão não só sobre o sex appeal do inorgânico (embora a expressão não seja utilizada por ele), mas também sobre a relação entre objetos, capital e vida pulsional/imaginativa. Essa ambivalência diante do artefato é cultivada por Bataille em uma série de frentes, tanto no espaço do arquivo-museu (seu trabalho com moedas na Bibliothèque Nationale) quanto no espaço de corte e montagem que ele faz nas revistas em que trabalha (Documents, 1929-1930; Minotaure, 1933-1939; Acéphale, 1936-1939). Um dos mistérios investigados por Bataille (fundamental também para a poesia de Baudelaire) diz respeito à ambivalência do objeto, oscilando entre o profano e o sagrado, entre o excepcional e o cotidiano (a faca do sacrifício; o pedaço de vidro que se torna lente).

3) Os pares de olhos posicionados por Sebald no início de Austerlitz podem ser lidos como a representação da fixidez da morte, a rigidez cadavérica, o congelamento do animal empalhado, do corpo embalsamado ou do artefato no museu de cera. Os olhos estão inseridos em uma série de momentos de articulação entre texto e imagem ao longo de sua obra, série na qual Sebald expõe um desdobramento precisamente do sex appeal do inorgânico. Desde o molde de gesso da mão esquerda de Métilde, uma das mulheres por quem Stendhal foi apaixonado, apresentado em Vertigem; passando pelo crânio de Thomas Browne, que teria permanecido exposto no museu do mesmo hospital no qual o narrador se recupera de um colapso, crânio exposto também em Os anéis de Saturno, pouco antes do surgimento na narrativa dessa imagem, a Lição de anatomia de Rembrandt, que, assim como os olhos em Austerlitz, funcionará como epígrafe visual que dará o tom do restante da narrativa. 

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