domingo, 7 de março de 2021

A estátua


1) Em 1928, Walter Benjamin resenha um livro de Karl Blossfeldt, Formas originárias da arte: imagens fotográficas de plantas, um álbum com 120 imagens aproximadas de plantas, um procedimento de repetição e estranhamento que gera uma narrativa que Benjamin qualifica de “frutífera e dialética oposição à invenção”. Essa fixidez da imagem das plantas vai reaparecer no Livro das passagens, que Benjamin começa a desenvolver (e coletar material) no ano anterior, 1927. Logo no início ele fala do "sex appeal do inorgânico", indicando que o nascimento de algo novo entre coisas antigas é o “legítimo espetáculo dialético”. 

2) O conto de inverno, de Shakespeare (The Winter's Tale, primeira performance em 11 de maio de 1611), é uma história de ciúme: Leontes suspeita que Hermíone o trai com o melhor amigo, Polixeno; ordena a morte da mulher e do suposto fruto da relação, Perdita; ambas são salvas, Hermíone sendo levada para um esconderijo pela amiga Paulina, e retornando no final da peça, cerca de dezesseis anos depois de seu desaparecimento. No desfecho da peça, convencido da inocência da esposa, Leontes é levado a uma galeria de maravilhas na qual está a estátua de Hermíone - uma estátua que se revela como a própria mulher.

3) Com o "espetáculo dialético" da mulher que se transforma em estátua para se transformar em mulher, Shakespeare acessa também o "sex appeal do inorgânico", o fascínio diante de algo que, mesmo morto, dá a ilusão da vida (algo que Benjamin encontra também na caveira do barroco). Além disso, a estátua que ganha vida é uma estratégia intertextual da parte de Shakespeare: evoca tanto as metamorfoses de Ovídio quanto o legado do Romance da Rosa; faz pensar também na versão do mito de Helena de Troia (uma estátua teria sido raptada, e não a mulher) que Shakespeare conhecia através de Eurípides (o ciúme de Leontes, por exemplo, é análogo ao de Menelau). O sex appeal do inorgânico na peça de Shakespeare serve a um procedimento típico de sua poética: a revelação se dá dentro de um espaço de representação, uma "peça dentro da peça", uma cena teatral em miniatura.   

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