domingo, 16 de fevereiro de 2020

Prisioneiros

Charles Simic escreveu um ensaio cujo título e conteúdo resumem (ao mesmo tempo em que expandem) aquela que parece ser a experiência compartilhada por tantos artistas que em algum momento tiveram que fugir: Prisioneiro da História. No século XX, um dos casos paradigmáticos é sem dúvida o de Nabokov: todos nós imaginamos com fervor as várias possibilidades da vida no futuro, um futuro que vai pouco a pouco se afastando, mas só o artista parece ter a capacidade de reivindicar tais possibilidades no âmbito de sua produção, ao mesmo tempo em que atualiza constantemente a tensão entre a infância e aquilo que se tornou.

A partir de Nabokov, Simic compõe com Aleksandar Hemon uma sorte de tríade dos prisioneiros da História providos de um demoníaco domínio das línguas - ou melhor, um domínio da capacidade de passar de uma língua a outra (do russo para o inglês em Nabokov; do sérvio para o inglês em Simic; do bósnio para o inglês em Hemon). Hemon, por exemplo, se declara "patologicamente bilíngue", marcado pelo abandono abrupto de seu país por conta do cerco de Sarajevo em 1992. "Novas palavras e locuções em bósnio nasciam da experiência da guerra", escreve ele, "e eu senti que não tinha o direito de usar essas palavras duramente conquistadas. Eu não podia mais escrever em bósnio". 

A troca da língua - o espetáculo da troca da língua tal como mostrado pela incrível capacidade de Nabokov, Simic e Hemon - é signo tanto de um voo quanto de uma ancoragem: para sempre presos ao evento traumático (revolução, guerra, cerco) e, ao mesmo tempo, forçando cada vez mais a distância entre o evento e aquilo que se pode fazer, artisticamente, a partir dele. Simic fala da foto dele bebê com sua mãe, passeando de carrinho pelas ruas de Belgrado: "eu a tinha finalmente convencido a comprar um brinquedo para mim, embora, sem que soubéssemos, Hitler e Stalin e seus exércitos já tinham feito planos para me transformar em um poeta americano".

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