sábado, 22 de fevereiro de 2020

Contra a interpretação?

O estilo moderno de interpretação escava e, ao escavar, destrói; ele cava “por baixo” do texto para encontrar um subtexto que é o verdadeiro. As doutrinas modernas mais importantes e celebradas, as de Marx e Freud, consistem de fato em elaborados sistemas de hermenêutica, em ímpias e agressivas teorias da interpretação. 

Todos os fenômenos observáveis são agrupados, na expressão de Freud, como conteúdo manifesto. Esse conteúdo manifesto precisa ser sondado e removido para encontrar o sentido verdadeiro — o conteúdo latente — por debaixo ou por detrás dele. Para Marx, acontecimentos sociais como revoluções e guerras; para Freud, acontecimentos da vida individual (como sintomas neuróticos e lapsos de fala) e também dos textos (como sonhos ou obras de arte) — todos eles são trata- dos como ocasiões de interpretação. 


Segundo Marx e Freud, esses acontecimentos apenas parecem ser inteligíveis. Na verdade, não têm sentido sem a interpretação. Entender é interpretar. E interpretar é reformular o fenômeno; é, com efeito, encontrar um equivalente para ele.

(Susan Sontag, Contra a interpretação, trad. Denise Bottmann, Cia das Letras, 2020, p. 20)

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