Logo no início da segunda parte de seu Discurso do método, de 1637, Descartes escreve que "não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou". E continua: "vê-se que os edifícios empreendidos e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos procuraram reformar, fazendo uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim, essas antigas cidades que, tendo sido no começo pequenos burgos, tornaram-se no decorrer do tempo grandes centros, são ordinariamente tão mal compassadas, em comparação com essas praças regulares, traçadas por um engenheiro à sua fantasia numa planície" (pense, por exemplo, no trabalho de rarefação da linguagem e da subjetividade que Beckett faz a partir de, entre outras referências, Descartes).
A ideia, mesclada ao registro autobiográfico do Discurso, mascara sutilmente uma vontade iconoclasta: partir do zero, botar abaixo o que já está construído e começar de novo - um só artista, responsável pela construção da base ao teto. Ainda que Descartes não fale diretamente, o tipo de construção que mais se assemelha à sua descrição é a igreja: as mais tradicionais geralmente são construídas sobre outras ainda mais antigas, algumas das quais muitas vezes erigidas onde uma vez havia um altar pagão (em 1663, treze anos após sua morte, o Papa colocou as obras de Descartes no Index librorum prohibitorum).
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Desde o livro inaugural sobre a interpretação dos sonhos (publicado em 1899 com a data 1900) Freud insiste na reconstrução arqueológica do inconsciente: a memória é feita de camadas, de estratos, de sobrevivências compactadas de diferentes períodos de experiências. No ensaio "Construções na análise", de 1937 (escrito em 1934), Freud fala que o trabalho do analista e o do arqueólogo é "idêntico", embora o primeiro trabalhe em melhores condições, tendo acesso a mais material auxiliar, porque se dirige a algo que está "vivo, não a um objeto destruído". O arqueólogo lida com artefatos com partes perdidas - o objeto psíquico, por sua vez, tem sua pré-história investigada pelo trabalho analítico. Pois, neste caso, "todo o essencial se conservou, embora pareça esquecido por completo; está ainda presente de algum modo e em alguma parte, só que soterrado, inacessível ao indivíduo".
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