1) O último romance de Joseph Roth, Die Geschichte von der 1002. Nacht, de 1939, é frívolo em sua superfície (bailes, prostíbulos, bebidas, oficiais do Exército, desfiles, cafés, etc) mas meticulosamente construído em sua duplicidade: o romance está continuamente fazendo referência a falsidades e disfarces, agentes secretos que observam pelos cantos, histórias que circulam pelas costas, figuras de cera que imitam personalidades reais, trocas de identidade e dinheiro falso.
2) Nesse sentido, e mais uma vez, o romance de Roth é um comentário à frase de Marx sobre a repetição, a tragédia e a farsa (uma repetição e um comentário que vai de Hegel a Zizek e segue em movimento). Isso porque o Xá da Pérsia visita Viena duas vezes, no início e no fim do romance - e o colar de pérolas que dá de presente no início é recuperado no fim, e muitos personagens dizem que todo infortúnio começou com ele. Na leitura que faz Derrida da frase de Marx, por exemplo, a ênfase está no retorno dos espectros, dos fantasmas, que solicitam o olhar do presente em direção ao passado - algo recorrente também em Roth, em sua visão de mundo, pois para ele o Império Austro-Húngaro era um espectro sempre em dia, atualizável, tão exótico quanto a Pérsia parecia aos orientalistas do século XIX (ao levar o Xá à Viena do século XIX, Roth mescla esses dois ideias fictícios, o orientalismo e o monarquismo).
3) Roth publica o romance em 1939, já plenamente consciente da destruição que em breve começaria - que ele viveu de perto na Primeira Guerra Mundial e que colocou em tantos romances. Várias camadas de espectros rondam o romance de Roth, da Europa imediatamente pré-Hitler, até seus tempos de combatente na guerra, passando pelo Império que ele, Roth, conheceu na infância no extremo Leste do reino e, por fim, o auge do Império e de Viena durante a visita do Xá na segunda metade do século XIX. Técnica, reprodutibilidade e espetáculo também surgem no romance, primeiro com o carrossel no parque e, logo em seguida, com o museu de cera e o teatro de rua no qual se representa justamente a visita do Xá (a segunda visita é absorvida pela representação teatral da primeira visita - um jogo de espelhos).
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