Domingo, 2 de junho [de 1968]
A estrutura do romance de Puig é faulkneriana, narração coral a partir de narradores que interferem e são testemunhas dos fatos. É o leitor quem deve reconstruir e sintetizar um emaranhado de frases entrecortadas, fragmentos de diálogos, cartas, diários, até construir uma história que não está em lado algum, que não foi narrada, e sim aludida. Romance de formação, grande destreza no uso da oralidade.
Quinta, 6 de junho
Em A traição de Rita Hayworth de Puig se produz um fenômeno de estilização, um tipo de distorção aparente que pode ser vista como um "defeito" de composição (à maneira do choque e da afetação estilística de Onetti). É, no entanto, a maior virtude, porque o romance revela o caráter extremo de um mundo que se move no interior de uma linguagem comum baseada em formas de expressão que vem do cinema de Hollywood, da fotonovela e do correio sentimental, que moldam a experiência vivida (e estão de fora de toda formulação literária ou de alta cultura). O notável é que maneja com tal qualidade essa forma de realismo verbal que converte a linguagem em expressão vívida da vida. Essa linguagem já é uma forma de vida. O romance trabalha então a realidade já narrada (pelos mass media).
(Ricardo Piglia, Los diarios de Emilio Renzi, Los años felices (vol. II), Barcelona, Anagrama, 2016, p. 32-33)
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