Em Facundo, de 1845, Sarmiento encontra Napoleão nos pampas: "Facundo é convidado a interpor sua influência, para apagar as chispas que foram acesas no norte da República; ninguém além dele está convocado para desempenhar essa missão de paz. Facundo resiste, vacila; mas afinal se decide. Em 18 de dezembro de 1835, sai de Buenos Aires, e ao subir à carruagem dirige, na presença de vários amigos, seus adeuses à cidade. "Se me saio bem", diz, agitando a mão, "voltarei a ver-te; se não, adeus para sempre!" Que sinistros pensamentos vêm assomar naquele momento à sua face lívida, no ânimo desse homem impávido? Não recorda o leitor algo parecido ao que manifestava Napoleão ao partir das Tulherias para a campanha que terminaria em Waterloo?" (Sarmiento, Facundo, ou civilização e barbárie, trad. Sérgio Alcides, Cosac Naify, 2010, p. 347)
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1) O deslocamento é breve, sutil, quase que apenas ilustrativo - mas muito relevante na ambição geral do livro de Sarmiento. Foi lutando contra Facundo que Sarmiento perde em 1831 e vai para o primeiro exílio no Chile. A questão é que Facundo no Facundo é também Rosas, o sucessor do primeiro ditador. "Facundo", portanto, deve fazer o leitor "recordar" não apenas Napoleão, mas também Rosas.
2) Alan Pauls fala de Borges e da "operação estrábica" de sua escritura (em El factor Borges), na medida em que acessa simultaneamente o passado e o presente, a "alta" cultura das citações filosóficas e a "baixa" cultura dos jornais e revistas (Pauls está falando das contribuições de Borges na imprensa na década de 1930). Operação estrábica como a de Sarmiento - falando de Facundo, reconstruindo a progressão histórica de Facundo e, ao mesmo tempo, armando um sentido subterrâneo que leva diretamente a Rosas, seu contemporâneo (que cairá só em 1852).
3) Napoleão morre em 1821, mas será enterrado definitivamente somente em 1840 - segue circulando, portanto (os restos mortais de Napoleão permanecem 19 anos como propriedade dos ingleses). O 18 de Brumário de Marx, publicado em 1852, não opera da mesma forma que o Facundo de Sarmiento? Não se trata da mesma operação estrábica? Lutero com a máscara de Paulo, a Revolução Francesa com a máscara da República romana, e assim por diante.
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