1) Em determinado ponto de seu livro Antígonas - "a travessia de um mito universal pela história do Ocidente" -, George Steiner escreve que a Hélade, o mundo grego, tem suas raízes firmemente fincadas no canto XXIV da Ilíada de Homero. Tudo decorre dessa cena que coloca Aquiles e Príamo lado a lado, dialogando acerca do destino do cadáver de Heitor, assassinado pelo primeiro, filho do segundo.
2) Muito daquilo que atravessava a sensibilidade grega nos temas da relação entre vida e morte, juventude e velhice, mortal e imortal, misericórdia, perdão e destino, intenções e reconhecimento mútuo, escreve Steiner, "está exposto nessa parte decisiva, a mais perfeita da poesia épica" (mais perfeita? graus na perfeição? pode-se aqui relembrar a resenha de Jonathan Barnes, que ressalta uma série de "descuidos" na prosa de Steiner - e já que estamos no tema, vale relembrar que o ensaio que Foucault dedicou à leitura que Steiner fez de As palavras e as coisas chama-se "A monstruosidade da crítica").
3) O ponto principal de Steiner é que também a Antígona de Sófocles é um desdobramento do canto XXIV da Ilíada - uma vez que Antígona, assim como Príamo, se manifesta em favor dos direitos de um morto (seu irmão Polinices). Steiner fala do "cunho homérico" do estilo de Sófocles. Mais do que isso: a peça de Sófocles expande também o tema do confronto entre juventude (Aquiles) e velhice (Príamo), com Antígona em choque com Creonte e seu coro de anciãos. É nesse choque, contudo, que está a diferença de Homero para Sófocles. Aquiles e Príamos chegam a um instável acordo, mas Antígona e Creonte falam sempre de lugares distintos, irredutíveis: ele fala da lei, ela do desvio; ele fala do tempo imediato da governabilidade, ela fala da eternidade dos direitos; ele fala do coletivo, ela da individualidade.
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