A carta que Benjamin escreve a Scholem em francês (em 20 de janeiro de 1930) levanta a tripla questão da língua como língua estrangeira, do nome próprio e do nome como assinatura (a articulação de Walten e Walter para Jacques Derrida). Já no ensaio sobre As afinidades eletivas de Goethe (concluído em 1922), no qual versa também sobre a escolha feita por Goethe dos nomes dos personagens ("Dificilmente haverá em qualquer outra literatura uma narrativa da extensão das Afinidades eletivas em que se encontrem tão poucos nomes"), Benjamin escreve:
Nada vincula tanto o ser humano à linguagem quanto seu nome.
Diante disso, vale a pena resgatar o breve trecho em que Harald Weinrich, ao teorizar uma "linguística da mentira", utiliza um fragmento de Goethe. O ponto de contato principal é essa carta escrita em francês pelo namorado de Aurelie, exatamente como faz Benjamin com Scholem (e o faz de forma deliberada, para melhor poder confessar que não pretende ir à Palestina). É inegável que também Benjamin liga o francês à mentira, ou ao menos à dissimulação (ele procura restabelecer o contato com Scholem mas não consegue ser direto com relação ao seu desejo de não ir à Palestina). Será que Benjamin tinha em mente essa passagem de Goethe, que de resto conhecia tão bem?:
"Logo, uma vez ou outra, vozes se ergueram imputando culpa também à língua quando os homens dela caçoam como mentira. Na peça Henrique V (ato V, cena 2) de Shakespeare, está escrito em francês: O bon Dieu! Les langues des hommes sont pleines de tromperies [Meu Deus! As línguas dos homens são repletas de enganações]. Talvez até uma língua mais, outra menos. Em Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister, de Goethe (V, 16), ao se tratar do bom e do melhor do teatro francês, observa-se que Aurelie se abstém de participar. Indagada, ela revela o motivo: odeia a língua francesa. Seu namorado infiel tirou-lhe o gosto. Pois enquanto eles estavam apaixonados ele lhe escrevia cartas em alemão: 'e que alemão cordial, sincero, vigoroso'! Mas tão logo se extinguiu esse amor, ele passou a escrever cartas em francês, o que antes somente sucedia por brincadeira. Aurelie entendeu a troca muito bem. 'Porque, para reservas, meias palavras e mentiras, o francês é uma língua excelente, uma língua pérfida! [...] O francês é com razão a língua do mundo, digna de ser a língua universal, para que todos possam através dela enganar-se e mentir uns aos outros!'. Assim, se Aurelie tinha razão com 'suas manifestações caprichosas', a língua alemã se voltaria à verdade, a língua francesa, à mentira.
Ora, são meras anedotas, Shakespeare e Goethe tinham consciência disso. Mas pode ser que a língua, como Wittgenstein ponderou certa vez, não é vestimenta, mas sim transvestimento do pensamento (Tractatus logico-philosophicus, 4.002)."
(Harald Weinrich, Linguística da mentira. trad. Maria Aparecida Barbosa e Werner Heidermann, Editora da UFSC, 2017, p. 15-16).
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