Tanto Marx quanto Warburg usam Lutero para pensar a sobrevivência, a recorrência das ideias e das formas, das forças históricas. Ambos usam também Goethe - a própria noção de Weltliteratur no interior do Manifesto, a epígrafe do Fausto II que Warburg coloca no ensaio sobre Lutero e repete, transformada pelos índios Hopi, na conferência sobre o ritual da serpente. Do Laocoonte aos Pueblo, todos primos.
Derrida insiste, em Espectros de Marx, por seu lado, na presença de Shakespeare em Marx, insistindo precisamente na ideia de herança, de responsabilidade que essa presença acarreta - Marx reivindicando Shakespeare continuamente como Hamlet faz em sua peça (dentro da peça) com o fantasma do pai. "Um espectro ronda a Europa", escreve Marx, como havia escrito Shakespeare: "Há algo de podre no reino da Dinamarca". Uma frase de Hamlet não citada por Derrida oferece ainda mais material para essa relação entre herança e espectro, tradição e sobrevivências. Terceira cena do quarto ato, Hamlet diz a Cláudio:
Derrida insiste, em Espectros de Marx, por seu lado, na presença de Shakespeare em Marx, insistindo precisamente na ideia de herança, de responsabilidade que essa presença acarreta - Marx reivindicando Shakespeare continuamente como Hamlet faz em sua peça (dentro da peça) com o fantasma do pai. "Um espectro ronda a Europa", escreve Marx, como havia escrito Shakespeare: "Há algo de podre no reino da Dinamarca". Uma frase de Hamlet não citada por Derrida oferece ainda mais material para essa relação entre herança e espectro, tradição e sobrevivências. Terceira cena do quarto ato, Hamlet diz a Cláudio:
A man may fish with the worm that hath eat of a king, and eat of the fish that hath fed of that worm.
Por meio do verme que comeu o corpo do rei o pescador pode pescar o peixe, peixe que permitirá que o homem siga vivendo - e, com ele, o próprio corpo do rei, transformado pela intervenção do verme. O que você quer dizer com isso?, pergunta Cláudio. Hamlet responde:
Nothing but to show you how a king may go a progress through the guts of a beggar.
É surpreendente que Derrida não use essas passagens de Hamlet, tão ligadas à questão da passagem entre o corpóreo (o material) e o etéreo (o metafísico), o contato entre corpo e espírito. Surpreendente também porque essas citações foram intensamente retrabalhadas (como Warburg faz com Goethe) por Paul Valéry, aplicado leitor de Shakespeare e do Hamlet, na famosa frase
Rien de plus original, rien de plus soi que de se nourrir des autres. Mais il faut les digérer. Le lion est fait de mouton assimilé.
Derrida também não cita essa frase de Valéry (nada é original, o leão é feito de carneiro assimilado; o mendigo é feito de rei assimilado - "fica tranquilo, o mendigo já vem", como dizia a canção de ninar de Adorno), embora ele seja a grande figura inaugural de seu Espectros de Marx, usando o ensaio que Valéry publica em 1919 precisamente sobre Hamlet, no qual fala de uma "crise do espírito" na Europa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário