Conrad quer nos mostrar que a grande aventura de pilhagem de Kurtz, a viagem de Marlow subindo o rio e a própria narrativa partilham o mesmo tema: europeus executando ações de domínio e vontade imperial na (e sobre a) África. O que diferencia Conrad de outros escritores coloniais contemporâneos é que - por razões em parte ligadas ao colonialismo que converteu a ele, um expatriado polonês, em funcionário do sistema imperial - ele tinha uma grande consciência do que fazia. Assim, como a maioria de suas outras narrativas, Heart of darkness não se limita a um relato direto das aventuras de Marlow: é também uma dramatização do próprio narrador, velho andarilho das regiões coloniais, contando seus casos a um grupo de ouvintes ingleses num tempo determinado e num local específico.
O que Conrad percebeu é que se o imperialismo, como narrativa, monopolizou o sistema inteiro de representação - o que, no caso de Heart of darkness, permitia-lhe falar não só por Kurtz e pelos outros aventureiros, inclusive Marlow e seus ouvintes, mas também pelos africanos -, a autoconsciência do forasteiro pode lhe permitir compreender ativamente como funciona a máquina, visto que ele e ela não estão, em termos fundamentais, numa perfeita sincronia ou correspondência. Por nunca ter sido um inglês totalmente incorporado ou aculturado, Conrad preservou uma distância irônica em todas as suas obras.
(Edward Said, Cultura e imperialismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 55-56; 57)
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