terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Portas abertas, 2

1) Portas abertas, a novela que Sciascia publica em 1987, faz uma espécie de contraponto em direção a A bruxa e o capitão, que Sciascia publica no ano anterior, 1986. Na nota que encerra este último livro, Sciascia escreve que seus temas foram "a injustiça, a intolerância, o fanatismo", que em A bruxa e o capitão se revelam por meio da Inquisição (e do processo factual contra Caterina Medici, uma empregada de casa do século XVII) e em Portas abertas por meio do fascismo de Mussolini (e da tentativa de resgate da pena de morte na Palermo da década de 1930). Duas pontas distantes da história italiana, portanto, se unem ao compartilhar esse tema triplo, "injustiça, intolerância, fanatismo".
2) Em Portas abertas, já no fim do relato e do processo, Sciascia escreve que acusado, jurados e juiz "estavam agora na câmara do conselho, que como local não era menos desagradável do que a sala das sessões. Das paredes que haviam sido caiadas antes que as repartições judiciárias para lá se transferissem, por baixo do véu de cal transpareciam, ou apareciam claramente nas rachaduras, os desenhos e as escritas que os prisioneiros da Inquisição ali tinham deixado ao longo de dois séculos" (Sciascia, Portas abertas, trad. Mário Fondelli, Rocco, 1990, p. 70). A história é um pentimento que a "aguarrás do tempo" vai aos poucos revelando.
3) Na "nota" que encerra A bruxa e o capitão, Sciascia dá o nome do principal responsável por seu esforço continuado de denúncia da injustiça, intolerância e fanatismo em variados tempos e espaços: Montaigne (que aparece não apenas em A bruxa e o capitão, mas em uma série de outros ensaios e novelas de Sciascia). ""Nada faço sem alegria", dizia Montaigne: e os seus Essais são o livro mais feliz jamais foi escrito", escreve Sciascia em A bruxa e o capitão. E em Portas abertas, Sciascia incorpora a célebre frase do ensaio sobre o coxos - Apres tout, c’est mettre ses conjectures à bien haut pris que d’en faire cuire un homme tout vif - no contexto da pena de morte na Itália fascista: ""Afinal de contas, significa atribuir um peso e tanto às próprias opiniões, se por elas manda-se grelhar vivo um homem". Belas palavras: tudo não passa de opinião, merecedora de relativo e risível valor: menos aquela de não mandar grelhar vivo um homem somente porque não compartilha certas opiniões. E menos aquela, aqui, hoje, no ano de 1937 (no ano de 1987), de não permitir que a humanidade, o direito, a lei - e afinal o Estado que a filosofia idealista e a doutrina fascista então chamavam de ético - respondesse ao assassinato com o assassinato" (Portas abertas, p. 20).    

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