domingo, 26 de dezembro de 2010

Um autor!

Sabemos que Gombrowicz e Borges não se gostavam. Houve até um jantar na casa de Bioy Casares, que não deu certo. Witold gostava de circular pelos becos e pelos bares da periferia, atrás de garotos e de estímulos – Borges, por outro lado, se guardava para as enciclopédias. Ferdydurke está recheado de menções às nádegas masculinas. Na edição brasileira, pela Companhia das Letras, além de um prefácio de Susan Sontag, há uma nota do tradutor no final. Ele diz que duas palavras são fundamentais para entender o romance de Gombrowicz: geba e pupa, a primeira traduzida por “fuças” e a segunda por “bumbum”.
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No prólogo de O informe de Brodie, que Borges data de 19 de abril de 1970, está escrito: O exercício das letras é misterioso; o que opinamos é efêmero e opto pela tese platônica da Musa e não pela de Poe, que acreditou, ou fingiu acreditar, que a escrita de um poema é uma operação da inteligência. Sempre a benfazeja relativização típica de Borges: Poe poderia estar fingindo, no fim das contas, quando escreveu sua explicação para seu próprio poema – e fingiu simplesmente porque era a coisa certa a fazer com relação àquele texto específico, era o que ele pedia. No primeiro capítulo de Ferdydurke, publicado na Polônia em 1937, Józio, o protagonista, está em sua casa, tentando escrever seu romance imaturo, quando recebe a visita de Pimko: doutor em filosofia e professor, um culto filólogo da Cracóvia, baixinho, miudinho, careca, com óculos, calças listradas, paletó, unhas largas e amareladas e sapatos de couro amarelo.
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Se Józio for Dante, Pimko é seu Virgílio – pois o leva para a escola e para o contato com outros malucos. Mas, ainda na casa de Józio, Pimko vê os rascunhos do romance sobre a mesa e exclama, exultante: Mas o que vejo? – exclamou ao ver os meus rascunhos espalhados sobre a mesa. – Não só um sobrinho, mas também um autor! Vejo que estamos tentando nossa sorte com as Musas, não é verdade? Ta, ta, ta, um autor! Já vou examinar tudo e encorajá-lo...
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Toda empáfia e certeza de um especialista, íntimo das “Musas”, este é Pimko, o amarelado (velho, passado, envelhecido, excessivamente maduro – todos os elementos contra os quais está Ferdydurke). O professor está lá para dar a palavra final: “Já vou examinar tudo e encoraja-lo...”. Burocrata da criação, agente da homogeneização – é claro que seu “encorajar” serve apenas para controlar os arroubos imaturos de Józio. E, com algumas décadas de antecipação, temos Gombrowicz fazendo pouco do autor e de seus salamaleques: “Ta, ta, ta um autor!”.

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