segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A arca russa de Saul Bellow


Saul Bellow nasceu em 1915, numa cidade chamada Lachine, no Canadá. Seus pais haviam emigrado de São Petersburgo para Montreal em 1913. Bellow conta que, na mesa de jantar, o czar, a guerra, Lênin, Trotski e os bolcheviques eram mencionados com a mesma constância que os parentes deixados para trás. A família de Saul Bellow compartilhava com a família de Vladimir Nabokov a incredulidade com a queda da monarquia russa, em 1917. Em suas memórias, Nabokov escreveu que “o bolchevismo não passava de uma forma especialmente brutal e implacável da opressão bárbara – tão antiga quanto as areias do deserto – e não era nem de longe a atraente e inédita experiência revolucionária com que tantos observadores estrangeiros o confundiram”. Não sei se alguma vez se encontraram. Quando Bellow foi para a Europa, em 1947, Nabokov já estava há 7 anos nos Estados Unidos. Bellow diz que, em Montreal, os velhos achavam que os arrogantes bolcheviques logo seriam expulsos – mas os filhos estavam ávidos para se juntar à revolução. Lyova, o filho do professor de hebraico, partiu para a Rússia, ignorando as recomendações e reprimendas dos mais velhos. Nunca mais voltou. Muitos anos mais tarde, já em Chicago, na década de 1930, Saul Bellow lia Marx e Lênin com devoção e escutava as advertências de seu pai: “Não esqueça do que aconteceu com Lyova; e não só com ele, pois há anos não tenho notícias de suas tias”. Bellow relembra tudo isso em um texto de 1993 – muito distante, portanto, da infância, dos pais, dos bolcheviques e do Nobel que recebeu em 1976 (razoavelmente próximo da morte, que chegaria doze anos depois) –, publicado na revista The National Interest. Ele escreve que, mesmo diante da resistência do pai, considerava-o russo, “com agradáveis feições russas”, tanto ele quanto sua mãe. Saíram de São Petersburgo com uma arca repleta de apetrechos e ornamentos: “brocados, cartola, casaca, lençóis de linho com bordas plissadas, anáguas pretas de tafetá, penas de avestruz, botinas com botões e cano alto, fotografias, talheres de prata, velhas canetas com seus aparadores”. Bellow afirma que a única utilidade dos objetos era servir de brinquedo para as crianças – o baú era um pouco da Rússia em Chicago, e para o pequeno Saul os objetos eram mágicos, passagens que ligavam tempos e espaços.

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Walter Benjamin, no ensaio “Brinquedo e brincadeira. Observações sobre uma obra monumental”, escreve o seguinte: Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos?

Um comentário:

  1. Difícil encontrar textos sobre Bellow na net_ e ainda mais, bons, como estes seus.

    Se for de teu interesse,

    http://charllescampos.blogspot.com/2011/01/semana-grandes-escritores-quarta-feira.html

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