Nabokov e Saul Bellow publicaram textos na Partisan Review na mesma época, principalmente entre 1948 e 1951. A PR estava sediada em Nova York e juntava uma miscelânea de intelectuais antistalinistas e profundamente interessados no modernismo literário. George Orwell também colaborou com a revista durante a mesma época (seus dois últimos anos de vida). Nabokov publicou versões iniciais do que seriam capítulos de sua autobiografia, Speak, memory (A pessoa em questão, na tradução brasileira da Companhia das Letras). Nabokov, assim como o Bellow de anteontem, também menciona uma arca. Ele não diz se a arca atravessou o oceano, como aconteceu no caso de Bellow, mas é certo que os objetos guardados ali dentro estão no exílio. Nossa edição conta com um caderno interno de fotos, e uma das últimas, tirada em fevereiro de 1929, mostra Nabokov escrevendo. Ele conta que sua mulher tirou a foto sem que ele percebesse. Nabokov estava escrevendo A defesa Lujin, em um quarto de hotel na França. "Um maço meio vazio de Gauloises pode ser percebido entre o vidro de tinta e um cinzeiro abarrotado", ele escreve na generosa descrição e contextualização que faz para a foto. Nabokov chama a atenção, também, para o quadriculado da toalha sobre a mesa, para as fotos de família, para os quatro volumes de um dicionário crítico do russo. E então ele fala de seu "porta-penas", robusto e marrom, cuja ponta "já foi bastante mastigada". Esse porta-penas, "amado instrumento de madeira de carvalho", foi usado por Nabokov para escrever tudo que escreveu durante seus vinte anos de perambulação europeia - os primeiros contos e poemas, escritos em russo, publicados em jornais de exilados (em Berlim, em Paris), Machenka, O riso no escuro, etc. O porta-penas de Nabokov, esse companheiro fiel (ainda que tantas vezes mordido), sumiu na mudança para os Estados Unidos. Mas Nabokov finaliza a legenda imaginando o reencontro: "um dia ainda hei de redescobrir numa das arcas armazenadas num guarda-móveis de Ithaca, estado de Nova York".
Há 10 horas
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