1) "Havia pouco, no banco, ele tinha dito também que todos os anos que passaram a ensinar lhe tinham feito mais mal que bem. E comparou o seu caso com o ensino de Freud. As suas lições, como se fossem vinho, tinham embriagado as pessoas. Não sabiam usá-las com sobriedade. Seria eu capaz de compreender? Oh, sim, tinham descoberto uma fórmula. Exatamente" (O. K. Bouwsma, Conversas com Wittgenstein, 1949-1951, trad. Miguel Serras Pereira, Relógio D'Água, 2005, p. 55)
2) Wittgenstein no fim da vida - morre em 1951, aos 62 anos - observa seu percurso e lamenta a "herança" que deixa (ou, ao menos, aquilo que alguns fizeram do pharmakon que ele ofereceu: é interessante que ele fale de seu trabalho como um "vinho" que "embriaga", muito na linha de Sócrates e Platão, o único filósofo que lia (segundo o próprio Bouwsma em seu relato)). Sempre a história do pensamento como história de um endereçamento - a troca de cartas, mensagens, o recebimento enviesado de uma herança: Platão, Sócrates e o cartão-postal em Derrida; Sloterdijk lendo Heidegger pelo viés da carta em Regras para o parque humano...
3) "Eles não sabem que estamos trazendo a peste" (ou seja, a fórmula), disse Freud quando atravessou o oceano pela primeira vez para falar sobre psicanálise nos Estados Unidos. O mistério do ensinamento reside sobre um paradoxo: para ser efetivo, o mestre deve ser esquecido, suplantado, deixado para trás; o ápice da responsabilidade com relação ao destino dos discípulos toca o extremo oposto, da radical diferença entre o ponto de partida e o ponto de chegada. George Steiner: "Ensinar com grandiosidade é despertar dúvidas no aluno, é treiná-lo para divergir. É preparar o discípulo para partir. O verdadeiro Mestre deve, no final, estar só" (Lições dos mestres, trad. Maria Alice Máximo, Record, 2005, p. 128).
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