domingo, 3 de julho de 2022

Ao redor do fogo


1) Em seu livro Exterminate all the Brutes, Sven Lindqvist retorna àquele que costuma ser uma figura-chave em todo discurso sobre o imperialismo europeu de fins do século XIX, Joseph Conrad (o livro de Lindqvist é de 1992, original em sueco; a tradução ao inglês saiu em 1996, depois, portanto, do lançamento de Os anéis de Saturno, no qual também Sebald retorna a Conrad e toca muitos dos temas de Lindqvist - genocídio, violência, a dialética do "iluminismo", a hipocrisia do discurso "civilizatório" europeu).

2) Lindqvist faz um trabalho interessante de rastrear os textos que estavam circulando nos últimos anos do século XIX, lidos por Conrad e absorvidos na tessitura geral de Heart of Darkness. Resgata, por exemplo, R. B. Cunningham Graham, amigo de Conrad, com quem se correspondeu extensamente, também ele escritor - publica o romance Mogreb-el-Acksa em 1898: um narrador se dirige a um círculo de amigos ao redor do fogo para relatar cenas da violência colonial (Lindqvist aponta que o narrador de Graham é uma sorte de "equivalente à cavalo" de Marlow e seu "círculo de marinheiros" - e podemos também ir em direção a um dos "inícios" da literatura, os poetas orais que contavam os versos de Homero ao redor do fogo). 

3) A ficção, portanto, como a expansão de círculos concêntricos de "conversações" - primeiro Graham, depois Marlow no interior do romance de Conrad e, por fim, a própria postura de Conrad diante de seus leitores na revista Blackwood's (onde a história é originalmente publicada). Penso no modo como, alguns anos depois (1936), Joseph Roth utiliza e subverte essa estrutura em Confissão de um assassino: dentro de um restaurante em Paris, durante uma noite, um exilado russo conta sua história de vida a um grupo indistinto e heterogêneo; o grupo não está ligado por laços, por uma confraria, estão reunidos ali por acaso, tomando um trago em uma noite fria; o narrador não é um amigo, não é alguém escolhido, ele se vale do acaso para exercitar a escuta e, em seguida, a escrita do relato (Roth opera no registro baudelaireano da cidade anônima e das relações fugazes, diverso daquele registro ainda um pouco "aristocrático" de Graham e Conrad).  

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