quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Revelações


1) Em seu breve livro sobre Vico, Peter Burke diz que é significativo não apenas o que Vico leu, mas também como leu: Burke afirma que Vico desenvolveu um método de leitura "nas entrelinhas", atentando não apenas para aquilo que era "intencionado" pelo texto mas também buscando as "revelações involuntárias" dos autores (entre parênteses, Burke afirma que a expressão "revelações involuntárias" vem de um ensaio de Alessandro Manzoni dedicado a Vico). A obra de Homero é integralmente revisada por Vico a partir desse método, aplicado de forma "integral, autoconsciente e sistemática": Vico busca em Homero o que é "incidental" e "inconsciente", tomado como fonte não da "história de eventos", mas "para a história dos costumes e das crenças" (p. 86).

2) Vico busca em Homero, continua Burke, a "massa de informação sobre a sociedade grega da idade heroica", como combatiam, festejavam, reuniam assembleias... "Os poemas homéricos também revelam um modo de pensar próprio da idade heroica, um modo de pensar de que o poeta não podia ter consciência - pois a falta de autoconsciência é uma das principais características desse modo de pensar". Em seu texto sobre o escritor argentino e a tradição, Borges fala que o autor do Corão, seguro de sua condição de árabe, não menciona a palavra camelo. A legitimidade do Corão está em sua feição enviesada, oblíqua: o camelo está ausente não por ser banal aos árabes, mas por ser esteticamente desnecessário, e mais: por ser esteticamente perigoso, podendo dar uma dimensão postiça a um texto que se pretende eterno. 

3) A leitura nas "entrelinhas" de Vico é um dos elementos de base para a leitura dos "sinais" reveladores de Carlo Ginzburg, sua reivindicação do "paradigma indiciário". Em outubro de 2020, Ginzburg dá o título de Rivelazioni involontarie. Leggere la storia contropelo para sua aula inaugural na Università di Padova, uma fórmula que não só retoma o dito de Manzoni sobre Vico ("revelações involuntárias") como o encaixa na reflexão de Benjamin (a "história a contrapelo" das teses). O livro mais recente de GinzburgLa lettera uccide, lançado pela Adelphi em outubro de 2021, além de incorporar a aula de Padova, deixa claro que se trata, mais uma vez, de estabelecer um método de leitura dos detalhes: na introdução do livro, Ginzburg afirma que ao longo do tempo se dedicou ao "close reading de casos anômalos, distantes de qualquer cânone".

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