2) No fim de um dos capítulos, quando o narrador e seu amigo fotógrafo já estão em viagem, o primeiro conta ainda mais detalhes acerca de sua dinâmica doméstico-familiar, suas brigas com a esposa e, nesse caso específico, uma discussão que tiveram sobre as imagens de tortura em Abu Ghraib (ele escandalizado, ela contemporizando de sua perspectiva de "estadunidense pura"). Depois de um longo parágrafo sobre as desavenças do casal, o narrador corta o fluxo abruptamente e inicia um novo parágrafo (o último do capítulo) da seguinte forma: "Rambo gostava principalmente que eu tirasse fotos dele com os mortos para depois ficar olhando para elas, Rora disse. Ele ficava excitado - aquilo era o pau duro dele, o seu poder absoluto: estar vivo em meio à morte. Tudo se reduzia a isso: os mortos estavam errados, os vivos estavam certos. Todo mundo que já foi fotografado ou está morto ou estará. É por isso que ninguém tira foto de mim. Quero ficar do lado de cá da foto" (na tradução brasileira, p. 197).
3) Rambo é um dos "caudilhos" da Guerra da Bósnia, a quem Rora se refere continuamente ao longo do romance (contribuição à análise da "personalidade autoritária", de Sarmiento e Adorno). Apesar de breve, a reflexão de Rora é interessante em dois aspectos: o modo como, de forma condensada, liga a fotografia à morte, como fizeram Benjamin, Sontag e Barthes; o modo como relaciona o registro visual dos mortos ao "poder absoluto" e à "excitação", como "estar vivo em meio à morte" é central para a manutenção da autoridade, algo que está no cerne da argumentação de Elias Canetti em Massa e poder, por exemplo, quando fala do "detentor do poder como sobrevivente" e da "aversão dos poderosos pelos sobreviventes", ou ainda dos "mortos como aqueles aos quais se sobreviveu".
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