sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Política das diferenças


Arno Gisinger: Qual é a importância do pesquisador e artista André Malraux na relação que você estabelece entre fotografia e história da arte? 

Georges Didi-Huberman: Ele é importante, todo mundo sabe. Seus trabalhos do Museu imaginário são obras-primas da edição de arte, e marcaram época. Mas era um modelo que eu não deveria seguir. O modo como Malraux usa a fotografia de arte é prescritivo, englobante, normativo, para além de suas intuições fulgurantes. Depois de Walter Benjamin e Warburg podemos, ao contrário, imaginar um uso da fotografia na história da arte que não seja ilustrativo, mas hipotético. Diante de uma montagem com duas imagens, Malraux propunha que ela respondesse a perguntas do tipo: qual é o estilo dedutível dessa associação? O que é a arte,  afinal de contas? Parece-me que podemos ser ao mesmo tempo mais modestos (no plano metafísico) e mais operativos (no plano dos contatos ou dos contrastes entre imagens), como Georges Bataille, por exemplo, na extraordinária ilustração de sua revista Documents. Existem ali bifurcações cruciais na “política das diferenças” a adotar quando utilizamos as imagens fotográficas para ter uma  ideia mais sensível da história.

Da entrevista publicada na Revista Zum.

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1) Ao modo de Giovanni Morelli, o crítico de arte italiano do século XIX, é possível dizer que o estilo está mais pronunciado justamente quando não se está prestando atenção (quando o pintor faz os dedos dos pés ou os lóbulos das orelhas, escreve Morelli). É essa intuição de Morelli que será tão útil para Freud em O Moisés de Michelangelo e que formará parte central do amplo percurso de Carlo Ginzburg em "Sinais: raízes de um paradigma indiciário" (percurso que expandirá enormemente, dez anos depois, em 1989, com a publicação do livro História noturna).

2) Tudo isso para dizer, portanto, que o estilo relampeja no momento de espontaneidade, como nesse momento da entrevista em que Didi-Huberman fala de Benjamin e Warburg ao falar de Malraux - ou seja, mais uma vez o anacronismo fabrica a história, algo que Didi-Huberman elaborou teórica, crítica e fenomenologicamente, mas que aqui surge de forma espontânea no registro um pouco labiríntico da conversa

3) De certa forma, é o "museu imaginário" de Malraux que permite observar certas potencialidades dos projetos críticos de Benjamin, Bataille e Warburg - em certo sentido, Didi-Huberman cria esses precursores do "museu imaginário" ao identificar as lacunas e limitações do ponto de partida (um ponto de partida anacrônico, mas de um anacronismo deliberado, que transforma a sucessão histórica convencional em uma "política da diferença", como diz Didi-Huberman). O fato de Malraux ter vindo "depois" não assegura sua "completude" diante das referências "anteriores"; a "anterioridade" não é, de novo, uma marca da falta, mas uma marca da diferença. 

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