segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Instituições

Se a literatura é uma instituição - uma "estranha instituição", como diz Jacques Derrida, justamente porque está sempre às voltas com a própria dissolução -, deve ser encarada como a instituição que torna possível todas as instituições, uma arqui-instituição (se o limite da linguagem é o limite do mundo, como escreveu Wittgenstein no Tractatus, o limite da linguagem como instituição marca o limite da própria constituição potencial das instituições).

Em seu livro sobre a renúncia de Bento XVI (O mistério do mal), Agamben escreve que o gesto da renúncia lançou luzes para o corpo dual da Igreja, espécie de contradição constitutiva da própria instituição, que guarda em si, simultaneamente, duas naturezas: uma maléfica e outra benéfica, ou ainda, o Cristo e o Anticristo. "Esse homem, que era chefe da instituição que arroga a si ter o mais antigo e significativo título de legitimidade, colocou em questão, com sua decisão, o próprio sentido do título" (trad. Silvana de Gaspari e Patricia Peterle, UFSC/Boitempo, 2015, p. 12).

É precisamente do mais alto da legitimidade da instituição que deve vir o gesto de rompimento com a dinâmica estabelecida na e pela instituição (de forma paradoxal evocando o gesto primeiro de Jesus, com seu sacrifício - algo da ordem do dispêndio absoluto sem chance de retorno ou capitalização de que fala Georges Bataille). Na exposição de Agamben (lendo historicamente o gesto de Bento XVI e suas raízes teológicas em Paulo (Segunda Epístola aos Tessalonicenses), Agostinho e Ticônio), a Igreja funcionaria como uma espécie de dispositivo de retardamento dos próprios ensinamentos escatológicos, dizendo uma coisa e fazendo outra, em uma perpétua estratégia de auto-cancelamento, que é também, paradoxalmente, sua única forma de sobrevivência terrena (nessa perspectiva, para retornar a Derrida, seu discurso é autoimune, ataque protetor contra si mesmo, ou mesmo farmacológico, veneno e remédio em sobreposição constante). 

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