"Seria Rembrandt uma espécie de equivalente pictórico de Shakespeare? Nossas análises autorizam algumas aproximações jamais feitas explicitamente pelo próprio Hegel. Seja como for, o trágico que se lê em Rembrandt, na cisão que é expressa pela luta da sombra e da luz, não é isento nem de serenidade, nem de cômico ou de ironia: serenidade do capitão e do tenente, que parecem alheios à agitação do conjunto da cena; sorriso, ou antes, riso, irônico, ou até sarcástico, da menina que, quebrando o movimento, faz reinar sobre o conjunto uma inquietante estranheza, que é justamente a da dissolução.
E nos encontramos então no ponto mais alto. A cisão que vemos se desenhar aqui não é a que arranca a subjetividade de seu meio ético, precisamente porque esse meio começa a fazer da individualidade o único valor, porque todos os conteúdos se dissolvem ante a emergência da subjetividade? Momento de fratura porque o século XVII holandês ainda está marcado por essa comunidade ética que conduziu esses burgueses protestantes ao ápice de sua glória. Mas essa glória encerra as razões de sua dissolução na oposição dos interesses privados, de tal modo que o artista já não encontra senão em si mesmo, na solidão, seu conteúdo"
(Gérard Bras, Hegel e a arte: uma apresentação à Estética, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges, Zahar, 1990, p. 53)
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