sábado, 15 de junho de 2019

Casa, antropotécnica (comentário)

A questão da técnica antecede a questão da linguagem? Ou elas são complementares, suplementares, operando em movimento constante, cada uma delas ocupando o espaço vago deixado pela outra em seu movimento perpétuo de pergunta-e-resposta?

Como mostra Kittler a respeito de Balzac ou Poe, no campo da literatura se nota como as duas questões - técnica e linguagem - são indissociáveis, uma vez que a ficção frequentemente se apresenta como uma fenomenologia diferida da técnica, ou seja, a narração de um processo de "encarnação" ou "materialização" do fantasma da técnica nos personagens e tramas (como acontece com Sexta-Feira aprendendo a escrever em Foe, de Coetzee).

Essa relação tensa é pensada por Derrida quando reflete sobre o uso que Nietzsche faz da máquina de escrever, por exemplo; ou quando Piglia - em vários momentos de sua obra, mas especialmente em O caminho de Ida - fala de Tolstói, de como ele foi o primeiro na Rússia a usar a máquina de escrever e a bicicleta (ou quando também Piglia comenta o uso que Manuel Puig faz do gravador e como isso transforma seu estilo, seu projeto literário como um todo). Escreve Esposito que "antes da linguagem", o sujeito "teve de habitar outra casa, outro invólucro antrópico, capaz de abrigá-lo das potências predominantes" - acredito que esse "antes" e a criação dessa "casa" é o que está em jogo nos comentários de Barthes em A preparação do romance, por exemplo, ou nas técnicas de escrita automática dos surrealistas, etc.

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